Vai passar
O João faz hoje 17 anos. O menino de olhos grandes e
de coração ainda maior cresceu de corpo e alma, a comprovar esse tempo
que segue independente da nossa vontade. As crianças, todas elas,
provam-nos esse pulsar que não pára, essa passagem dos dias, dos meses,
dos anos, de todas as horas em que a memória se instala. São elas as
depositárias de uma certa força telúrica e de uma magia que se opera em
tudo o que muda e fica e perdura.
É da natureza do tempo estas pequenas grandes mudanças que nos
assaltam em sobressalto feliz. Essa surpresa dos meninos que pulam da
infância para um outro lugar e que nos surgem, assim, homens inteiros,
mesmo quando lá no fundo as nossas mãos e o nosso coração ainda embalam
um outro tamanho de ternura e de afectos.
E se falo do João e dos seus 17 anos não o faço apenas por ele,
embora já fosse tanto e muito e ainda mais, falo por essa esperança que
vive nesse inexorável passar do tempo e na certeza de que tudo avança,
nessa natureza que é mais forte do que todas as pedras, toda a água,
todo o vento que nos transporta. O tempo é sempre a força mais forte, a
vontade mais dura, a certeza mais certa.
É verdade que, às vezes, como agora, parece que tudo acaba, que é
possível suspender a vida numa mágoa infinita, num desamparo sem fundo,
numa desesperança surda de gritar alto.
Sim, vivemos um tempo que parece ter o poder de nos anular quase por
completo, de nos colocar nesse ponto de não retorno. Mas este tempo,
como todos os outros, obedece a um movimento maior que impele para a
frente, sempre para a frente. É uma incógnita esse caminho que se
desenha para lá do que podemos ver e sentir com a pele e com a vontade,
mas está lá à espera de ser ocupado, vivido, tomado de assalto por essa
surpresa que é a vida, toda a vida de que somos capazes.
Pelo meu João, por todas as crianças de cada um e de todos, pelo
tempo, pela memória e pela surpresa do que ainda não se desenha em nós,
há que acreditar que tudo continua, e passa e surge e acontece.
É assim como quando uma queda na infância nos esfolava os joelhos,
que ardiam e arrancavam aquele choro do fim do mundo. E depois, depois
vinha o tempo, o beijo da mãe a promessa de que "vai passar" e passava
mesmo, com o tempo, os dias, uma nova queda, uma nova dor e também
muitos sorrisos e alegrias de fazer doer a barriga e crescer os braços e
as pernas para ser possível chegar a sítios cada vez mais altos.
É mesmo assim, vai passar...
A todos a esperança de um novo ano e de uma felicidade que é possível e certa como o tempo que passa. Vai passar...
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
30/12/12
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