Casa Nostra
Nunca como agora se foi tão longe no quebrar de promessas, na falta de honradez à palavra dada
Consta que em tempos idos terá sido um mosteiro da ordem de S. Bento da
Saúde. Hoje alguns espirituosos dirão que por lá se legitimam decisões
que nos estão a dar cabo dela… Nesta casa virada para a imagem, as
pessoas sentam-se em filas em semi-círculo e falam à vez, às ordens de
um(a) presidente. Diz-se serem representantes de todos nós, provirem de
umas famílias muito especiais, os partidos políticos e terão sido
democraticamente escolhidos para se dedicarem ao bem-estar do país. Ou
acreditam alguns, para ajudarem o governo a fazê-lo.
A acção destas
centenas de representantes legítimos da vontade popular é a defesa ou
ataque de documentos da acção governativa, nas diversas esferas da
actividade parlamentar (ou cavalos de Tróia de decisões obscuras
construídas talvez nos bastidores de interesses que não os expressos nos
programas eleitorais).
É vê-los na imagem, aplicados em tão nobre tarefa. Por vezes
atropelam-se, gesticulam, esbracejam, entusiasmam-se, argumentam,
aplaudem, emocionam-se, ou fingem que tal. Ou vaiam. Ou insultam.
Frequentemente o debate mais parece um despique de arraial de província…
Principalmente numa casa mais pequena situada ali para os lados de uma
certa ilha… Discute-se muito, debate-se, vota-se, aprova-se, rejeita-se -
às vezes a contra gosto, ou não, - sempre de acordo com instruções que
outros mandaram dizer, raramente em resultado de livre escolha
individual. E também se fazem discursos de circunstância, laudatórios,
peças de oratória mais ou menos eloquente, pontuada de palmas e "muito
bem"! Os consensos, essa miragem retórica, só pontualmente acontecem,
porque são muitos os opostos inconciliáveis. É árdua esta tarefa.
(Consta que este ano, a pausa natalícia vai ser interrompida para tratar
da obrigação de distribuir às pinguinhas, ao longo do ano, - o disfarce
do que vai ser tirado no imposto -, aquele salário que as pessoas
recebiam inteirinho no Natal).
O guião da vida da casa é o de sempre: aprovar tudo o que vem do
grupo que governa, com alterações q.b. - veja-se esse monumental esforço
que o Governo fez para ouvir o povo, e que depois de aturadas
negociações e extenuante trabalho parlamentar das dezenas de deputados
da maioria, redundou nessa grande redução de meio por cento na sobretaxa
do IRS! É claro que não se poderia cortar em mais nenhuma rubrica, como
sejam os milhões para a campanha das autárquicas, ou aquelas do costume
cá de casa, sem pôr em causa as estruturas da democracia. Ainda assim,
porque as coisas não estão para graças por via da crise, tentou-se,
perante a obrigação de votar coisas terríveis para as pessoas, minorar
as tais instruções vindas de fora, salvaguardando descontentamentos em
efémeras declarações de voto.
Para salvar a face e acalmar consciências,
sobressaltos éticos, desconfortos, constrangimentos e incomodidades a
estes legítimos representantes da vontade popular. Sim! Porque ali há
regras a cumprir. Diz-se que são estatutos e disciplina. Principalmente
para aqueles que suportam o grupo que manda em tudo. Para esses não há
cá essa coisa de opinião, consciência, liberdade de voto, porque estão
lá é para legitimar as determinações dos tais que mandam. Mesmo se,
nunca como agora se tenha ido tão longe no quebrar de promessas, na
falta de honradez à palavra dada, (isso é lirismo dos romances de
cavalaria!), numa tal ausência de ética que representa o esfrangalhar do
compromisso democrático. E quando essas ordens são ainda piores do que
as do grupo que mandava antes deles! Porque estas são as regras do jogo.
E se não quiserem, como se diz em bom português, a porta da rua é
serventia da casa, pois não podem com os seus lirismos pôr a
estabilidade do governo em causa e abrir uma crise política no país. O
que diriam de nós os credores?!
Assim é preciso continuar a representar (não são representantes?) o
guião da encenação necessária à legitimação governativa, os rituais da
democracia que temos, de que a vontade popular anda crescentemente
alheia. Se são os interesses do cidadão comum que estão em agenda, ou
qualquer outra coisa oculta nos bastidores da decisão política, fica a
dúvida. Afinal tudo o que é enviado pelo governo: o orçamento, as leis
quadro, o programa de governo já está aprovado à partida, até as margens
de alteração ao seu teor, calculadas de antemão. Vindo de S. Bento (de
cima), a residência oficial do chefe do Governo, é para ser legitimado
por S. Bento (de baixo), o parlamento, onde estão os representantes
legítimos da vontade popular (a claque de apoio ao governo em maioria).
Mas há que prestar atenção às outras centenas de pessoas cada vez mais
legitimamente concentradas fora da casa, arremessando protestos,
indignação e revolta, contra a cidadania defraudada. Que S. Bento da
Saúde acautele as calçadas deste país!
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
17/12/12
.
Sem comentários:
Enviar um comentário