23/12/2012

FILIPE LUÍS

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Cunhal tinha razão? 

"Ninguém peça ou exija ao PCP que deixe de ser o que é", disse Jerónimo de Sousa, no Congresso do partido. E o que é o PCP? Neste momento, não sabemos. E as teses sucessivamente aprovadas em congresso não o explicam cabalmente. 
Não sabemos se continua fiel ao estalinismo, admirador do modelo norte-coreano, e antieuropeísta empedernido ou se mudou algumas destas convicções. 
Não sabemos se aceita a economia de mercado, o livre comércio e a propriedade privada ou continua a defender a apropriação coletivista dos meios de produção e a economia planificada. 
Não sabemos se gostaria de ver uma democracia popular ou se manteria um sistema parlamentar "burguês". Sabemos que faz críticas pertinentes à situação no País. 

Mas isso todos fazemos. E se for partido de Governo? Que cedências está disposto fazer, de que princípios não abdica? Sim, é contra a troika; defende a renegociação da dívida; quer impostos penalizadores dos mais ricos; agarra-se ao SNS e a outras garantias constitucionais definidoras das funções do Estado (sem explicar onde cortaria, em caso de necessidade, para mantê-las). Mas isto não chega. E as ideias de fundo? Pediria a saída da UE e da NATO? 

Voltaria à reforma agrária, às UCP's e à unicidade sindical? Nacionalizaria bancos, setores da energia e das telecomunicações ou mesmo - como em 1975 - fábricas, jornais ou sucursais de multinacionais a laborar em Portugal? Ignoramos qual o seu entendimento sobre setores estratégicos garantes da independência nacional: a EDP e a GALP estão nesse leque? E a Autoeuropa, não está?

Estas perguntas não encerram nenhum preconceito (nem fazem juízos de valor: uma vez sufragada eleitoralmente, a coletivização dos meios de produção é legítima). Fazê-las é tomar o PCP a sério, como dando entrada no arco da governação. E, à primeira vista, o PCP mostrou essa ambição.

Esta semana, Mário Soares afirmou que "o marxismo-leninismo entrou em colapso em todos os continentes há mais de 20 anos" e que "é pena ver um político responsável ignorar ostensivamente essa realidade". Numa penada, desmentiu a ideia de que, afinal, Álvaro Cunhal tinha razão: as observações de Cunhal seriam pertinentes no quadro de conjunturas políticas concretas - como a que vivemos - mas as suas ideias seriam desmentidas pela História no que têm de estruturante. Mas os comunistas revelaram-se parceiros fiáveis e cumpridores dos seus compromissos. Querem um exemplo? A coligação com o PS, em Lisboa. É por isso que é tão importante conhecer as respostas do PCP. E decidir se podemos votar nele.

Já temos uma pista: o PCP defende a preparação para a saída da Zona Euro e, quiçá, da Europa. São questões que devem ser discutidas. O PCP tem de explicar como prepararia a saída do Euro e qual a estratégia alternativa de Portugal fora da UE. Pode ser que tenha razão.

Eu acho que o PCP, parecendo colocar-se dentro, se colocou de fora de uma solução de Governo. O que Jerónimo de Sousa disse, em nome da coerência, foi que os comunistas só entram num Governo de esquerda nos seus próprios termos. Sabendo que a liderança de um tal Governo seria, sempre, do PS, ninguém recusa ao PCP o direito de ser o que é: um partido de contrapoder, que se alimenta sofregamente dos períodos de crise e de miséria.

IN "VISÃO"
10/12/12

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