Cunhal tinha razão?
"Ninguém peça ou exija ao
PCP que deixe de ser o que é", disse Jerónimo de Sousa, no Congresso do
partido. E o que é o PCP? Neste momento, não sabemos. E as teses
sucessivamente aprovadas em congresso não o explicam cabalmente.
Não
sabemos se continua fiel ao estalinismo, admirador do modelo
norte-coreano, e antieuropeísta empedernido ou se mudou algumas destas
convicções.
Não sabemos se aceita a economia de mercado, o livre
comércio e a propriedade privada ou continua a defender a apropriação
coletivista dos meios de produção e a economia planificada.
Não sabemos
se gostaria de ver uma democracia popular ou se manteria um sistema
parlamentar "burguês". Sabemos que faz críticas pertinentes à situação
no País.
Mas isso todos fazemos. E se for partido de Governo? Que
cedências está disposto fazer, de que princípios não abdica? Sim, é
contra a troika; defende a renegociação da dívida; quer impostos
penalizadores dos mais ricos; agarra-se ao SNS e a outras garantias
constitucionais definidoras das funções do Estado (sem explicar onde
cortaria, em caso de necessidade, para mantê-las). Mas isto não chega. E
as ideias de fundo? Pediria a saída da UE e da NATO?
Voltaria à reforma
agrária, às UCP's e à unicidade sindical? Nacionalizaria bancos,
setores da energia e das telecomunicações ou mesmo - como em 1975 -
fábricas, jornais ou sucursais de multinacionais a laborar em Portugal?
Ignoramos qual o seu entendimento sobre setores estratégicos garantes da
independência nacional: a EDP e a GALP estão nesse leque? E a
Autoeuropa, não está?
Estas perguntas não encerram nenhum preconceito (nem fazem juízos
de valor: uma vez sufragada eleitoralmente, a coletivização dos meios de
produção é legítima). Fazê-las é tomar o PCP a sério, como dando
entrada no arco da governação. E, à primeira vista, o PCP mostrou essa
ambição.
Esta semana, Mário Soares afirmou que "o marxismo-leninismo entrou
em colapso em todos os continentes há mais de 20 anos" e que "é pena ver
um político responsável ignorar ostensivamente essa realidade". Numa
penada, desmentiu a ideia de que, afinal, Álvaro Cunhal tinha razão: as
observações de Cunhal seriam pertinentes no quadro de conjunturas
políticas concretas - como a que vivemos - mas as suas ideias seriam
desmentidas pela História no que têm de estruturante. Mas os comunistas
revelaram-se parceiros fiáveis e cumpridores dos seus compromissos.
Querem um exemplo? A coligação com o PS, em Lisboa. É por isso que é tão
importante conhecer as respostas do PCP. E decidir se podemos votar
nele.
Já temos uma pista: o PCP defende a preparação para a saída da Zona
Euro e, quiçá, da Europa. São questões que devem ser discutidas. O PCP
tem de explicar como prepararia a saída do Euro e qual a estratégia
alternativa de Portugal fora da UE. Pode ser que tenha razão.
Eu acho que o PCP, parecendo colocar-se dentro, se colocou de fora
de uma solução de Governo. O que Jerónimo de Sousa disse, em nome da
coerência, foi que os comunistas só entram num Governo de esquerda nos
seus próprios termos. Sabendo que a liderança de um tal Governo seria,
sempre, do PS, ninguém recusa ao PCP o direito de ser o que é: um
partido de contrapoder, que se alimenta sofregamente dos períodos de
crise e de miséria.
IN "VISÃO"
10/12/12
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