04/12/2012

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HOJE NO
"PÚBLICO"

Documentos ligam acção de 
Passos, Relvas e da Tecnoforma 

Memorandos da Ordem dos Arquitectos mostram que os dois políticos tentaram "vender" projecto da empresa inspirado no dos aeródromos municipais. 

Passos Coelho e Miguel Relvas tentaram, em 2003 e 2004, que a Ordem dos Arquitectos se associasse à Tecnoforma para desenvolver um programa de formação profissional proposto por aquela empresa, e financiado pelo programa Foral, com o nome Autarquia Segura, a pretexto de "normativas europeias". O objectivo era formar técnicos das câmaras municipais que pudessem executar planos de emergência para os edifícios de todas as câmaras do país. Isto à imagem do projecto em que a empresa de que Passos era consultor e foi depois administrador estava então envolvida para os aeródromos municipais da Região Centro.
O PÚBLICO revelou, em Outubro, que Passos Coelho, em representação da Tecnoforma, tinha actuado em simultâneo com Miguel Relvas, à época secretário de Estado da Administração Local, com vista a angariar contratos para aquela empresa de formação profissional. Os dados então disponíveis apontavam claramente nesse sentido.

Dois memorandos então redigidos por uma dirigente da Ordem dos Arquitectos (OA) a que o PÚBLICO teve agora acesso confirmam a relação directa entre as iniciativas de um e de outro. O projecto que ambos propuseram à ordem, então presidida por Helena Roseta, não só visava o mesmo objectivo, como tinha o mesmo nome: Autarquia Segura.

No início de Dezembro de 2003, Relvas convidou Helena Roseta para uma reunião. O que resultou desse encontro foi resumido nove anos depois, no início deste Verão, pela antiga presidente da OA. Em declarações à SIC, Roseta afirmou que Relvas lhe propusera a realização de cursos de formação para arquitectos das autarquias, garantindo que havia fundos europeus disponíveis para o efeito no programa Foral (formação para as autarquias locais), por ele tutelado. A condição, denunciou a arquitecta, foi a de que a OA contratasse a execução do projecto à "empresa de Passos Coelho".

Documentos internos da OA e declarações de Relvas e Passos credibilizaram, entretanto, as afirmações da antiga presidente da ordem, evidenciando que os dois tinham agido em simultâneo e com a mesma finalidade, conforme o PÚBLICO noticiou no dia 14 de Outubro.
Os dois memorandos redigidos em 2004 por Leonor Cintra Gomes, então membro do conselho directivo nacional (CDN) da OA, e que agora foram conhecidos, ajudam a perceber como as coisas se passaram.

O primeiro, relativo a uma reunião realizada em 21 de Janeiro de 2004, em que, a pedido de Helena Roseta, aquela dirigente da ordem recebeu Passos Coelho e o então director-geral da Tecnoforma, Luís Brito, mostra desde logo um dado novo: Passos comparecia em representação da Tecnoforma, mas também da empresa LDN, uma firma de consultoria de um ex-deputado do PSD e ex-vice-presidente da JSD, Luís David Nobre, que tinha igualmente relações profissionais com a Tecnoforma.

De acordo com o documento, a proposta trazida por Passos Coelho prendia-se com um projecto da Tecnoforma denominado Autarquia Segura. A ideia era formar arquitectos das câmaras para que todas as autarquias pudessem dispor, até 2007, de "planos de emergência para todos os edifícios públicos face a normativas europeias", não especificadas.

A iniciativa - explicaram os representantes da Tecnoforma - surgiu na sequência de um outro projecto da empresa, igualmente financiado pelos fundos europeus do Foral, que estava então a dar os primeiros passos para formar técnicos de aeródromos e heliportos municipais. Também nesse caso a justificação do investimento público nas acções propostas pela Tecnoforma - 1,2 milhões de euros aprovados para formar centenas de trabalhadores destinados a sete pistas de aviação da Região Centro que empregavam apenas dez pessoas - foi a de que os regulamentos internacionais obrigavam todos os aeródromos e heliportos a ter planos de emergência até 2005.

Para dar corpo à parceria entre a empresa e a OA, Passos Coelho propôs a celebração de um protocolo em que a Tecnoforma ficava como "entidade formadora" e a ordem como "promotora" das candidaturas - podendo associar-se a entidades como a Ordem dos Engenheiros ou ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

Leonor Cintra Gomes anotou no seu memorando que, face a uma referência que fez às escassas disponibilidades financeiras da OA, lhe foi respondido que "as acções inseridas no programa Foral não trariam custos, porque todas as despesas ficavam cobertas". O valor destinado aos formadores seria de 37,5 euros por hora, havendo também um valor/hora por formando de 4,99 euros para "outras despesas", como a promoção dos cursos, a organização, os manuais e a logística. A título de exemplo, os representantes da Tecnoforma explicaram que numa acção de formação de 20 horas para dez arquitectos, haveria 998 euros para "outras despesas" e 750 euros para os formadores, sendo a empresa a pagar-lhes.
Passos Coelho e Luís Brito explicaram que as candidaturas deveriam ser apresentadas em Março/Abril, para os cursos começarem em Junho. Em reacção a esta proposta, a arquitecta informou que a iria analisar com a direcção da ordem e com os responsáveis pela área da formação nas secções regionais. O assunto arrastou-se depois nas secções norte e sul, que acabaram por não se pronunciar, não tendo o CDN chegado a dar qualquer resposta formal à Tecnoforma. De acordo com antigos dirigentes da ordem, isso ter-se-á devido não só ao desinteresse das secções regionais, mas também ao facto, relatado por Helena Roseta, de Miguel Relvas ter condicionado a colaboração com a OA à contratação da Tecnoforma.

Nos termos do segundo memorando elaborado por Leonor Cintra Gomes acerca deste processo, já no final de 2004, a Secretaria de Estado tutelada por Relvas tinha proposto (como consta de uma acta da primeira reunião do CDN posterior ao encontro entre Relvas e Roseta, em Dezembro de 2003) a celebração de um protocolo entre ela e a OA.
O documento enviado à ordem, lê-se no memorando, contemplava precisamente o apoio a dar por esta organização a "uma acção a integrar no programa Foral, denominada Autarquia Segura - Prevenção e segurança de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais". O objectivo dessa acção consistia em "dar formação para a elaboração de planos de segurança e planos de emergência em interacção com organismos de protecção civil e bombeiros".

Em princípio, segundo a proposta da secretaria de estado de Relvas, as acções contariam com oito a 12 participantes e abrangeriam todos os municípios do país, totalizando 1100 horas cada, em cerca de 31 semanas.
Nas suas observações, redigidas provavelmente para memória futura numa fase em que, ao que tudo indica, a ordem já teria perdido interesse na proposta de protocolo devido à condição posta por Relvas, a arquitecta nota que "a cooperação da OA no programa Autarquia Segura carece de clarificação". E conclui: "O programa Autarquia Segura não se enquadra nas acções de formação propostas no Encontro de Arquitectos da Administração Pública" realizado em Abril desse ano.

* Cada vez mais se percebem as razões porque Coelho não demite Relvas.

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