10/11/2012

MARÍLIA AZEVEDO

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 A normalidade 
              da anormalidade

?(...) Não sou daqui e não vos devo nada, ninguém poderá negar a evidência de ser chama ou água, fluir em lugar de ser pedra. Perdoai-me a transparência."
 Eugénio de Andrade

Estamos a meio do primeiro período escolar do ano lectivo 2012/2013. O período que teve início no dia 17 de Setembro p.p. e tem o seu fim marcado para o dia 18 de Dezembro. Estão percorridas sete semanas desde do início do mesmo e faltam sete para o seu término. Tendo em conta que, em média, os nossos alunos têm 22 horas lectivas por semana, até ao momento já tiveram 770 horas de aula o que equivale a, aproximadamente, 32 dias ou, se preferirmos, a 46200 minutos. Vamos imaginar - sim estamos a 'imaginar' - que, ao longo deste tempo lectivo, alguns destes estudantes não têm material de estudo pois existe um atraso na entrega dos manuais escolares ao abrigo da acção social. Se continuarmos este exercício de 'imaginação' e pensando numa turma onde, apenas, metade dos alunos têm livros, este exercício de, pretenso, imaginário, tinge-se de cores negras que pintam uma realidade angustiante.

Relativamente ao atraso na entrega dos manuais o secretário da Educação afirmou que "o processo está a ter um seguimento normal adequado aos tempos que vivemos". Vem esta argumentação ínvia do responsável máximo deste processo. Um responsável, completamente alheado da realidade, a não ser que, na sua realidade, seja normal, em pleno século XXI e a meio do 1º período lectivo, ainda haver muitos alunos sem manuais escolares; que seja normal que o número de fotocópias a que os professores têm direito se esgotem nos primeiros dias de cada mês por forma a minimizar os efeitos "do processo que está a ter o seguimento normal". E que seja perfeitamente "adequado aos tempos em que vivemos" haver uma discriminação, vergonhosa, que sujeita os alunos que beneficiam da acção social. É "adequado" que estes alunos, provenientes de famílias de baixos recursos, sejam prejudicados no desenvolvimento, esse sim, normal, das aprendizagens por não terem livros. É "adequado aos tempos que vivemos" esta nova forma de exclusão precoce. É "normal e adequado aos tempos que vivemos" que alunos estejam durante 770 horas sem manuais escolares no meio de um processo de ensino aprendizagem! E ainda se admiram dos lugares que ocupamos nos rankings, valendo estes o que valem.

A normalidade da anormalidade continua quando verificamos que há escolas sem telefones, que existe falta de transportes escolares, que o S. Pedro inunda salas de aula, refeitórios e pavilhões em estruturas antigas e obras da "Madeira nova".

A solução para isto passa pelo elogio, pungido e constrangedor, aos docentes, incitando-os e, simultaneamente, responsabilizando-os pela resolução dos problemas que o próprio não consegue e não quer resolver. Sim, os docentes são empenhados, abnegados e têm espírito de entrega às causas que abraçam. Mas colocar nos seus ombros a responsabilidade de resolver os graves problemas que afectam as escolas é obsceno. 

Os docentes viram os seus salários serem reduzidos sem pudor; serem-lhes roubados os subsídios de férias e de Natal e, ainda assim, espera-se que tenham disponibilidade financeira para sustentarem as escolas. Do seu bolso, cada vez mais magro, confia-se que saia o pagamento das fotocópias necessárias para que os alunos que não têm livros consigam acompanhar, minimamente, o avançar dos conteúdos programáticos, já que o rácio, definido a régua, esquadro e calculadora, não pode ser ultrapassado. É caso para perguntar o que teria de acontecer para que o secretário da Educação considerasse anormal.
Numa região com 58 mil pessoas sem instrução é urgente e necessário um sobressalto cívico em defesa da qualidade da escola pública.    


PROFESSORA


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
05/11/12

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