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O fim das coisas
Podemos recorrer aos santos, apelar a que nos ajudem, que não caiam
das simpáticas prateleiras, onde outras mãos os plantaram, como se fosse
possível dar dimensão real e fidedigna às suas figuras.
Para tudo há códigos, para o modo como nos sentámos, para a destreza
(ou falta dela) com que nos levantámos dos pesados fatos em que nos
enfiamos a vida inteira, qual adereço.
Este não é um texto do estilo “70 x 7”. É um texto zangado. Um texto
embrulhado nas vozes diárias, um texto que de tão mastigado, podia ser
como o verso do poema de Fernando Pessoa, que finge a dor que deveras
sente.
Sentir deveras é absoluto. Não há espaço (já) para muitos bocados;
para infiltrados que se forjam a responder “presente”, ou sequer para
outros que sendo mais cobardes se escondem entre as cortinas, esvoaçando
como libelinhas…
Era uma vez uma vida. (Quantas conhecemos?). Uma vida mais pesada que
os santos nos altares. Era uma vez uns olhos verdes. Era uma vez uma
mão carnal e humana. Era uma vez uma vez que se foi sem deixar rasto.
Nenhum. Nem sequer uma sombra (como as sombras chinesas), nem sequer um
recado escrito à pressa num guardanapo dos antigos de natal (com sinos
nas pontas e natal em várias línguas) com caneta falhada e palavras
incompletas. Nem sequer um som. Nada.
Era uma vez a vida virada do avesso a revirar-se por dentro como as
entranhas dos peixes, a desfiar-se nos dedos como os colares de contas
coloridas.
Era uma vez o tempo que se inventava. O instante em que parecemos
loucos. O segundo em que nos agarramos ao relógio pedindo-lhe que pare,
que ponha pausa nos ponteiros, que não toque, que não grite as horas,
que finja qualquer coisa como poder atrás para trás.
Era uma vez a idade. A palavra idade com que termina a vaidade e a
cidade. A calamidade. A felicidade. A facilidade. A enormidade. A
festividade e a brutalidade estúpida com que se diz era uma vez uma
vida.
Perdemos demasiado tempo, perdendo tempo (disseram-me). Perdemos. Mas
como nos dar conta dessa perda quando a elasticidade (idade elástica?)
nos morre em cima e não temos força para resistir?
Vontade devia dizer-se “Vontidade” e escrever-se assim como a idade
que fazemos (com vontade) de soprar as velas e passar mais um ano,
enquanto for permitido.
Morre-se num ápice. Quando, mesmo por engano, se entra “morte
adentro”. A morte, essa vadia, de nome feminino, é uma vadia. A vida um
enredo curioso. E depois?
Há o lado bê. Bê de banalidade. Este texto é isto: uma banalidade.
Tão banal como ver santos em cima das prateleiras a sorrir (sempre a
sorrir) com as suas aureolas e a olhar para nós, os humanos (de carne e
osso), esses seres que morrem, entre nós, como se fossem plantas.
Era uma vez uma vida e o que não se pode contar dela, porque não se é boa a adivinhar o fim das coisas.
IN "AÇORIANO ORIENTAL"
14/11/12
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