O acordo para evitar a dupla tributação entre Portugal e Cabo Verde - Um cabo das tormentas?
Como proceder para acionar o acordo para evitar a dupla tributação entre os dois países de modo a evitar a retenção na fonte?
O contexto económico que se vive atualmente na Europa, em especial em
Portugal, tem obrigado os empresários portugueses a procurarem soluções
alternativas e inovadoras para fugirem à crise, e nessa perspetiva, a
internacionalização dos negócios tem sido umas das estratégias mais
utilizadas. Os mercados africanos têm sido, talvez, os mais procurados
pelos empresários portugueses, e Cabo Verde surge como um dos mercados preferenciais no "ranking" desses mercados.
No
entanto, do ponto de vista fiscal, as prestações de serviços por parte
de empresas portuguesas a empresas cabo-verdianas têm levantado muitas
questões entre empresários, Autoridades Fiscais de Cabo Verde (AF),
entidades corporativas e diplomáticas, sobretudo quanto à aplicação do
Acordo para evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e Cabo
Verde (ADT).
A discussão sobre se a legislação fiscal
cabo-verdiana continha uma norma que permitia o Estado cabo-verdiano
tributar os rendimentos derivados de serviços prestados por empresas não
residentes (as que não têm sede nem direção efetiva em Cabo Verde)
ficou esclarecida e ultrapassada pelo Orçamento do Estado cabo-verdiano
para 2011 (OE 2011) que veio suprir a lacuna que existia nessa matéria.
Refira-se um acórdão, recentemente, publicado pelo Supremo Tribunal de
Justiça de Cabo Verde que veio contrariar a posição adotada pela AF, que
entendia ser devida retenção na fonte de 20%, dando razão às instâncias
inferiores que em diversos processos já se tinham pronunciado pela
ilegalidade da aplicação da taxa de retenção na fonte.
Porém, no
que toca ao ADT, continuam os "atropelos" da AF quanto à sua
interpretação. Ora, não se compreendem os desvios interpretativos nessa
matéria, quando o ADT em questão segue a convenção modelo da OCDE,
pelo que, a sua interpretação deverá ser conduzida à luz das regras e
recomendações da OCDE. Relembre-se que Cabo Verde e Portugal fazem parte
da OCDE.
À luz dessas regras, em matéria de prestação de
serviços, a regra é que esses rendimentos devem ser tributados no Estado
de Residência da empresa que presta o serviço, desde que esta não tenha
um estabelecimento estável (ex: uma sucursal) no Estado da Fonte, ao
qual esses rendimentos possam ser imputados. Logo, Cabo Verde, enquanto
Estado da Fonte não pode efetuar retenção na fonte no pagamento desses
rendimentos. Se o caso fosse o inverso, Portugal também não poderia
tributar o rendimento de uma entidade Cabo-verdiana por retenção na
fonte.
Portanto, defender que a empresa portuguesa sempre poderá
obter crédito de imposto em Portugal relativamente à tributação sofrida
em Cabo Verde não procede. Com efeito, dado que o ADT não dá o direito
de tributar a Cabo Verde, Portugal, legitimamente, não permitirá que a
empresa credite este imposto retido no seu IRC (ou seja, a empresa vai
pagar duas vezes).
Da mesma forma, defender que para evitar a
retenção na fonte através do ADT, a empresa portuguesa deverá demonstrar
que o rendimento já foi tributado em Portugal, também vai contra o
espírito do ADT, além de conduzir a uma prova diabólica que se traduz na
impossibilidade de se fazer prova de algo que ainda não sucedeu, uma
vez que a tributação desse rendimento, por regra, só ocorrerá em Maio do
ano seguinte.
Então, como proceder para acionar o ADT, de modo a
evitar a retenção na fonte? Bastará apresentar um certificado de
residência fiscal em Portugal, devidamente assinado e carimbado pelas
autoridades portuguesas.
TOME NOTA
• Rendimentos de serviços pagos por empresas cabo-verdianas depois de Julho 2011, data de entrada em vigor do OE 2011,
estão sujeitos a imposto em Cabo Verde à taxa de 20%, mas apenas quando
o credor for residente em qualquer outro país que não Portugal;
• Para fornecedores portugueses que não tenham estabelecimento estável em Cabo Verde não há retenção na fonte, por força do ADT;
•
É importante sensibilizar o devedor para fazer o procedimento correto,
que neste caso é o de não efetuar retenção na fonte no caso de
fornecedores Portugueses, mediante o certificado de residência fiscal.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
31/10/12
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