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Tradutor automático
O Governo diz agora que quer refundar o Memorando de Entendimento, ou melhor, alinhar o desejo dos portugueses em ter serviços sociais com a sua vontade de pagar impostos, ou seja, reformular as funções do Estado Social, por outras palavras, acabar com ele e expurgá-lo da Constituição – o que, aliás, está de acordo com o seu projecto ideológico.
Isto é o que o Governo quer que se conclua. Só
diz a primeira parte, para não ser acusado de nada. O Governo fala e o
Povo que interprete. Mas a verdade é que o "New Speak" deste Governo não
é particularmente complicado e, por isso, a tradução é automática.
Mas o tradutor automático com o qual cada português está naturalmente
equipado à nascença e, sobretudo, depois de ouvir repetidamente os
desconchavos com que é quotidianamente prendado por ministros com
licenciaturas que não existem, primeiros-ministros que têm como
referência filosófica livros que não existem, ‘compagnons de route'
especializados em formação profissional para aeródromos e heliportos que
também não existem, esse tradutor automático, dizia, é especialmente
sofisticado e permite traduzir também o subtexto por detrás do texto já
traduzido.
Por que razão vem o primeiro-ministro sugerir que temos de acabar com
o Estado Social, ou algo parecido, precisamente neste momento? Por que
não fez ele tão excelentes reflexões no início do seu mandato, quando
falava noutra coisa muito diferente, isto é, no corte das "gorduras do
Estado", e vem fazê-lo agora mais para o meio do mandato, ou quase no
seu final, quando sabe que já não tem tempo nem credibilidade?
O
tradutor automático responde: quando o primeiro-ministro fala de
refundação e reformulação, para sugerir extinção, está a transmitir o
seguinte subtexto: "- Caros portugueses, eu falhei a estratégia no ano
de 2012, falhei nas finanças e falhei na economia, não fui capaz de
criar margem de manobra para uma nova política, sei que vou falhar outra
vez em 2013 porque não fui capaz de antecipar, apesar de ter sido
avisado, que as coisas iam correr tão mal. Por isso decidi agora
repensar as funções do Estado. Esta refundação, a que cheguei depois de
reflexão aturada, consiste na seguinte ideia: como tudo está a falhar e
sei que vou ter de aumentar outra vez os impostos vou já avisando. Isto
vai dar ainda mais para o torto, mas a culpa não é minha, é do Estado
Social."
Assim fala o primeiro-ministro. O seu texto, depois de submetido à
função mais simples do tradutor automático, aponta para o ataque directo
ao Estado Social. Porém, após submissão à função mais complexa do
subtexto, indica que vamos mesmo ter um novo aumento de impostos e,
adivinhem, são os trabalhadores por conta de outrem quem o vai sofrer.
Professor Universitário
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/10/12
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