02/09/2012

PEDRO CARVALHO

  
Flautista de Hamelin 
             fez desaparecer 
                            135 mil crianças 

Para onde foram as 135 mil crianças que desapareceram das declarações dos impostos desde que o Fisco começou a exigir aos pais que preenchessem no IRS o número identificação fiscal dos filhos? 

Se fossem os irmãos Grimm a escrever esta coluna contavam aquela história do Flautista de Hamelin que, para se vingar dos habitantes da cidade, pegou na sua flauta, hipnotizou e fez desaparecer todas as crianças da cidade alemã.

Mas a verdadeira história, também ela insólita, é contada na página 14 deste jornal e dá conta que desde 2010, quando passou a ser obrigatório o preenchimento do número de contribuinte dos dependentes na declaração de IRS, desapareceram milhares de crianças dos registos do Fisco.

As Finanças admitem que a grande maioria das 135 mil crianças que "desapareceram" eram fictícias, inventadas por outras tantas pessoas que declaravam ter filhos para poderem pagar menos impostos. Isto porque cada filho com mais de três anos vale benefícios fiscais de 190 euros, além de os tectos para despesas com educação, por exemplo, serem superiores. Com três ou menos anos de idade o benefício vai até 380 euros.

Quando passou a ser obrigatório preencher o Modelo 3 de IRS com a identificação fiscal dos dependentes, essas crianças deixaram de existir. A pergunta que se impõe: a Autoridade Tributária não quer saber do paradeiro dessas crianças? As falsas declarações que foram apresentadas no passado vão para o caixote de lixo? Ninguém vai responsabilizar estas pessoas por terem, durante anos, enganado o Fisco, pagando menos impostos do que deviam?

Isto passa-se no Portugal dos pequeninos. No Portugal dos grandes, a coisa ainda é pior. Estamos a falar de um País onde os comerciantes ficam revoltados quando o Fisco os obriga a ter máquinas registadoras certificadas e quando incentiva os contribuintes a pedir factura. Estamos a falar de um País onde 25 mil contribuintes devem 2,6 mil milhões de euros ao Fisco, um valor que se fosse pago chegava e sobrava para tapar a derrapagem do défice, e tornava desnecessário o corte dos subsídios de férias e Natal.

Mas o mau exemplo vem de cima. Ainda há umas semanas o Governo orgulhava-se de ter recuperado uns modestos 258,4 milhões de euros de impostos, depois de ter dado um perdão fiscal a empresas e a fortunas de grandes empresários que tinham 3,4 mil milhões parqueados no estrangeiro e que o Fisco nunca lhes pôs a vista em cima. Pagaram uma taxa de imposto de 7,5%, "limparam" o dinheiro, e ficaram isentos de outras penalizações. 

O Governo argumenta que é uma decisão racional: é escolher entre cobrar pouco ou não cobrar nada. Inventar filhos fictícios também: é uma decisão economicamente racional, mas moralmente reprovável!


 Subdirector

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
30/08/12

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