Bom dia,
eu gostaria de o inquietar
Não preciso de justificação, mas decidi voltar ao tema batido da
licenciatura de Miguel Relvas porque me inquietaram as respostas que
dois entrevistados - Proença de Carvalho e Ilídio Pinho - me deram,
recentemente, sobre o assunto.
Na opinião do advogado
(Dinheiro Vivo de 4 de Agosto) e do empresário, que também foi o último
patrão de Passos Coelho (pode ler a entrevista no próximo sábado), este é
um tema menor, que não nos deve tomar muito tempo e muito menos
desviar-nos dos verdadeiros problemas do país, entre os quais, está,
claro, à cabeça, a enorme crise por que passamos. Defendem ambos que em
Portugal, essa é, aliás, uma prática normal e que somos todos peritos em
desfocar-nos e desconcentrar-nos do que é essencial e realmente
relevante. E, porque não querem cometer esse erro, justificam, não
perdem muito tempo a dar importância ao suposto favorecimento de que o
ministro beneficiou para se licenciar.
Os dois entrevistados até
podem ter razão na parte do desfocar e desconcentrar, mas fazem mal em
não se importar com este caso, que chegou à Volta à França e aos Jogos
Olímpicos de Londres, recentemente aterrou em Manta Rota, onde o
primeiro-ministro passa férias, invadiu as redes sociais com anedotas
estúpidas e é responsável por me criar um sentimento estranho, o da
vergonha alheia.
Os dois entrevistados até podem ter-se sentido
comprometidos ou constrangidos com a pergunta, mas poderiam ter fugido à
resposta, ter dado voltas e voltas e terminar sem dizer nada. É comum,
isso acontecer. Mas reduzir a polémica da licenciatura à luta política e
à intriga e a um problema causado por pessoas que não têm nada que
fazer é um mau sintoma e um sinal do que pode estar a acontecer a muita
gente.
Não é porque existe uma crise grave em Portugal, que nos
deve exigir um esforço redobrado no nosso dia-a-dia, que devemos
desvalorizar outros problemas aparentemente menores mas igualmente
importantes, da mesma maneira que, no Brasil, é errada a tolerância para
com a corrupção, explicada também pela existência de outros problemas
graves.
A condescendência é sempre perigosa e o caso de Miguel
Relvas é um óptimo teste ao bom estado da inquietação nacional. Acha
normal que Relvas ainda se mantenha em funções? Como dizia o jornalista
norte-americano Finley Peter Dunne (1867-1936), a obrigação dos jornais e
dos jornalistas deve ser a de confortar os aflitos e afligir os que se
sentem confortáveis. Era assim há 100 anos e assim deve continuar.
IN "DINHEIRO VIVO"
09/08/12
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