16/08/2012

LUÍSA ARROZ ALBUQUERQUE



O verdadeiro desperdício

Exceptue-se Guimarães, e um pouco por todo o território diminuem-se, em simultâneo, orçamentos autárquicos e mecenáticos, condenando-se todo um sector a uma agonia desesperante e o País a um movimento depressivo e silencioso.

Ainda nos lembramos bem da tese de que o fim do Ministério da Cultura significaria mais uns euros para a cultura, poupadas que seriam as gorduras de uma máquina pesada que gastaria em si e para si os poucos recursos destinados à "cultura". Acreditou quem quis, menosprezando as desvantagens de uma secundarização da cultura nas estruturas de decisão do Governo. E os resultados estão à vista: a redução drástica do orçamento nacional, o desemprego galopante entre agentes do campo de produção cultural, o fecho entristecido de associações artístico-culturais. Exceptue-se Guimarães, e um pouco por todo o território diminuem-se, em simultâneo, orçamentos autárquicos e mecenáticos, condenando-se todo um sector a uma agonia desesperante e o País a um movimento depressivo e silencioso.
Os cortes no financiamento público na cultura são ainda acompanhados com um grito à mudança de modelo de financiamento alicerçado na panaceia neoliberal que caracteriza a Europa de hoje. E o resultado não poderia ser pior: sem públicos que possam consumir, sem empresas que possam contribuir e sem Estado para financiar, o cenário não poderia ser outro. Mesmo que não se discorde da mudança, ninguém no seu perfeito juízo poderá concordar com o ‘timing' escolhido para a impor.
No caso português, as medidas governamentais não escapam também às comparações com os anos 30 em que, impondo uma paralisação nas trocas culturais, se suspendem as bolsas a estudantes portugueses no estrangeiro e ao Teatro Nacional, tal como hoje se acaba com o programa INOVartes (não esquecendo as mudanças nas bolsas da FCT) e se suspendem, adiando sine die, a concessão de apoios às estruturas de produção cultural.
Combatida a fragilidade persistente das instituições culturais a partir de meados da década de 90, com a subida lenta mas estável de alguns indicadores de participação cultural e da construção de uma política cultural através do Ministério da Cultura, muito ajudada pela integração europeia, esperava-se agora uma aposta no combate ao problema endémico da baixa qualificação do sector cultural e uma institucionalização de práticas, políticas e agentes que consolidassem uma área tão fundamental à economia do país, à semelhança do que nas décadas anteriores ocorreu na ciência. A poupança de uns tostões (o orçamento da Cultura nunca passou disso) é, por isso mesmo, o desperdício não só de uma ferramenta fundamental para a saída da crise, mas também do investimento iniciado anteriormente.
Se não fora apenas pela cultura em si, a sociedade do conhecimento impõe a criatividade como competência fundamental: o conhecimento e a inovação dependem, precisamente, dessa criatividade e a economia depende dela para inovar e ela precisa de formas diversas de lazer e cidades preparadas para a desbloquear.


Professora ESAD.CR


IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/08/12

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