O verdadeiro desperdício
Exceptue-se Guimarães, e um pouco por todo o território diminuem-se, em simultâneo, orçamentos autárquicos e mecenáticos, condenando-se todo um sector a uma agonia desesperante e o País a um movimento depressivo e silencioso.
Ainda nos lembramos bem da tese de que o fim
do Ministério da Cultura significaria mais uns euros para a cultura,
poupadas que seriam as gorduras de uma máquina pesada que gastaria em si
e para si os poucos recursos destinados à "cultura". Acreditou quem
quis, menosprezando as desvantagens de uma secundarização da cultura nas
estruturas de decisão do Governo. E os resultados estão à vista: a
redução drástica do orçamento nacional, o desemprego galopante entre
agentes do campo de produção cultural, o fecho entristecido de
associações artístico-culturais. Exceptue-se Guimarães, e um pouco por
todo o território diminuem-se, em simultâneo, orçamentos autárquicos e
mecenáticos, condenando-se todo um sector a uma agonia desesperante e o
País a um movimento depressivo e silencioso.
Os cortes no financiamento público na cultura são ainda acompanhados
com um grito à mudança de modelo de financiamento alicerçado na panaceia
neoliberal que caracteriza a Europa de hoje. E o resultado não poderia
ser pior: sem públicos que possam consumir, sem empresas que possam
contribuir e sem Estado para financiar, o cenário não poderia ser outro.
Mesmo que não se discorde da mudança, ninguém no seu perfeito juízo
poderá concordar com o ‘timing' escolhido para a impor.
No caso português, as medidas governamentais não escapam também às
comparações com os anos 30 em que, impondo uma paralisação nas trocas
culturais, se suspendem as bolsas a estudantes portugueses no
estrangeiro e ao Teatro Nacional, tal como hoje se acaba com o programa
INOVartes (não esquecendo as mudanças nas bolsas da FCT) e se suspendem,
adiando sine die, a concessão de apoios às estruturas de produção
cultural.
Combatida a fragilidade persistente das instituições culturais a
partir de meados da década de 90, com a subida lenta mas estável de
alguns indicadores de participação cultural e da construção de uma
política cultural através do Ministério da Cultura, muito ajudada pela
integração europeia, esperava-se agora uma aposta no combate ao problema
endémico da baixa qualificação do sector cultural e uma
institucionalização de práticas, políticas e agentes que consolidassem
uma área tão fundamental à economia do país, à semelhança do que nas
décadas anteriores ocorreu na ciência. A poupança de uns tostões (o
orçamento da Cultura nunca passou disso) é, por isso mesmo, o
desperdício não só de uma ferramenta fundamental para a saída da crise,
mas também do investimento iniciado anteriormente.
Se não fora apenas pela cultura em si, a sociedade do conhecimento
impõe a criatividade como competência fundamental: o conhecimento e a
inovação dependem, precisamente, dessa criatividade e a economia depende
dela para inovar e ela precisa de formas diversas de lazer e cidades
preparadas para a desbloquear.
Professora ESAD.CR
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/08/12
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