Défice de estratégia
O endividamento do sector dos transportes (SEE) atingiu, em 2010, 16.700M€, cerca de 9,7% do PIB. Esta situação tem servido como justificação para o Governo defender a privatização destas empresas, aumentar as tarifas e reduzir serviços.
É um facto que há défices anuais elevados e
que a dívida do sector tem de ser resolvida. Mas qual a origem desta
situação? Dados oficiais (2010) mostram, por um lado, que as
indeminizações compensatórias e as tarifas não cobrem os custos
operacionais; por outro, que o serviço da dívida é muito elevado. O caso
do Metro de Lisboa é paradigmático: os custos operacionais foram 167M€,
as tarifas geraram 60M€ mas as IC's não ultrapassaram 28,1M€. O
montante de juros atingiu 52M€. O problema do sector não é, portanto, a
eficiência das empresas mas o crónico sub-financiamento, que tem exigido
recurso ao endividamento para suportar os investimentos e a operação do
serviço.
A privatização das empresas não eliminará a dívida existente nem
diminuirá significativamente os custos operacionais. Sejam empresas
públicas ou privadas, será sempre necessário compensar a diferença entre
a receita tarifária e o custo real. A média europeia de cobertura dos
custos operacionais pelas tarifas é cerca de 45,5%. E medidas como a
diminuição do serviço e aumento das tarifas podem, paradoxalmente,
agravar os défices enquanto, certamente, pioram a qualidade de vida da
população.
A política de transportes é mais do que uma conta de somar e
subtrair; constitui um instrumento estratégico do ponto de vista
económico, social e ambiental. É essencial assegurar um sistema de
transportes que responda às necessidades das actividades produtivas no
território nacional e dos centros urbanos em particular. Além disso, o
sistema de transportes é um instrumento de promoção da justiça social.
Garantir a mobilidade da população, em especial dos mais desfavorecidos,
é fundamental para a coesão territorial e social. E o Estado tem de
subsidiar as obrigações de serviço público de transportes para garantir
tarifas socialmente adequadas. Finalmente, o sector pode contribuir para
a redução das emissões de CO2, a diminuição da factura energética e
para a promoção de ambientes urbanos de maior qualidade.
Tal como noutros sectores, existem desafios de sustentabilidade que
não podem ser ignorados e que exigem escolhas difíceis sobre o nível de
serviço e a forma de repartição dos custos. Mas a política de
transportes constitui um campo estratégico de (re)definição do papel do
Estado na economia e na construção de uma sociedade mais justa. A visão
redutora do Governo, assente em dogmas sobre a eficiência do sector
privado, não resolve o problema do financiamento e não reconhece a
dimensão estratégica do sector e a sua importância económica, social e
ambiental. Mas não deixa de ser coerente com a sua agenda política.
ARQUITECTA
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
08/08/12
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