04/08/2012

ELISA FERREIRA






 

A magia das exportações 

A única boa notícia no processo de ajustamento em curso da economia portuguesa é, sobretudo no último trimestre, o comportamento positivo das exportações e, em especial, o aumento do grau em que estas compensam as importações (a chamada taxa de cobertura). 

Daí até amarrarmos todas as nossas esperanças de saída da crise nesta variável foi um exagerado ápice – para evitarmos a nossa proverbial alternância cíclica entre euforia e depressão, convirá assim precisar alguns detalhes naquele novo estado da nossa alma colectiva…

Comecemos por reconhecer dois factos. Primeiro, que é de facto nos mercados externos que, dada a debilidade do nosso mercado interno, poderá residir o motor essencial da nossa economia (dispensar-me-ei de retomar aqui considerações sobre o novo-riquismo parolo com que desprezámos, anos a fio, a tradição exportadora que tivéramos, sobretudo a partir do norte de Portugal…). Depois, que a entrada em funcionamento do Euro veio acompanhada (não só em Portugal) por uma explosão do crédito que estimulou as importações (de dentro e de fora da UE - União Europeia) de forma desproporcionada face ao aumento das exportações, assim reduzindo a taxa de cobertura.

O ano de 2009 foi um ano de plena crise internacional e europeia e que conheceu um ajustamento brutal de todos estes fluxos comerciais; as reduções das exportações nacionais quer para a UE quer para o resto do mundo foram drásticas e acompanhadas por reduções ainda maiores das importações, sobretudo das originadas fora da Europa. Desde então, assiste-se a uma progressiva recuperação das taxas de cobertura, sobretudo no comércio com a UE: no ano de 2010, e para o total do comércio externo, aquele indicador atingiu 64,4%, chegando a 73,3% em 2011 (74,4% no tocante ao comércio com a UE), valores estes que se constituíram em máximos históricos deste século.

Conclusões mais claras requereriam uma análise detalhada da composição destes fluxos, nomeadamente do contributo relativo das exportações automóveis e de produtos petrolíferos; a este nível de abordagem geral, pode contudo concluir-se que o comportamento das exportações nacionais nos primeiros meses do ano reflecte, acima de tudo, a retoma da trajectória interrompida em 2009 (note-se, por exemplo, que só em 2011 conseguimos ultrapassar em valor o que já exportávamos em 2007).

A meu ver, e mais do que a ‘explosão das exportações’, as duas notas mais marcantes da evolução recente são:
• Uma visível reorientação das exportações para os mercados de fora da UE, reforçando uma essencial tendência de diversificação (é fora da Europa que estão os mercados pujantes) que se vem manifestando desde 2004/2005;
• Uma quebra forte das importações, sobretudo quando oriundas de fornecedores europeus, que, sendo necessária, é também consequência da violenta recessão instalada por via do esmagamento brutal da procura e do investimento domésticos.
Prosseguir no aprofundamento destas questões – designadamente, a de avaliar até que ponto a retoma das exportações já estará mesmo constituída num vector estruturante de dinamização da economia ou a da sustentação a prazo da referida contracção das importações – seria tema para uma série de artigos. Fico-me pelo sublinhado de uma certeza: a de que Portugal não é a ‘pequena economia aberta’ em que se continua a insistir mas sim, por referência ao espaço europeu em que nos inserimos, uma economia claramente mais fechada do que a média, isto é, uma economia em que a escassa riqueza gerada o é dominantemente no fraco mercado interno – ilustrando: enquanto o nosso comércio externo representa 37,4% do PIB, o valor equivalente para a Irlanda é de 94,9%, para a Bélgica de 84,2%, para a Holanda é de 78,6%, para a Hungria de 88,8%, para a República Checa de 72,8%, sendo até a Alemanha, com o seu poderoso mercado interno, uma economia mais aberta do que a nossa (47,7%).

Decorre da observação anterior o carácter duplamente errado da tentativa de reforço e consolidação da evolução das nossas exportações através do esmagamento brutal de salários: por um lado, porque deteriora as bases substantivas da nossa competitividade externa e, por outro lado, porque contribui para a destruição do frágil mercado interno com base no qual afinal sobrevivemos. Para a consolidação e reforço do seu perfil exportador, o país carece de receitas bem mais sofisticadas do que as que estão em curso, sob pena de não conseguirmos mais do que uma marcada desagregação da sociedade portuguesa...


 IN "SOL"
23/07/12

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