31/08/2012

CARVALHO DA SILVA




 

Regabofe

Do já bastante dissecado discurso de Passos Coelho, feito no Pontal, tomo hoje para reflexão duas afirmações que merecem análise mais atenta. Disse o primeiro-ministro (PM) que "há ainda quem pense que depois deste ínterim o regabofe pode voltar", quem pense "que cumprido este aperto, cumpridas estas formalidades" será possível "voltar ao que era dantes" e "dar subsídios indiscriminadamente". 

Afirmou também que os portugueses não podem voltar a "fazer bonitos com dinheiro que não era seu" e consumir sem prestar contas. 

Estas afirmações são ardilosas, pensadas para sensibilizar consciências e ganhar apoios. Como o discurso foi feito no Algarve, é oportuno trazer aqui uma quadra muito esclarecedora do poeta algarvio António Aleixo: "Para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade".

O que está na mente e na prática política de Passos Coelho e seus pares, quanto ao conceito regabofe? 

Será o enriquecimento fácil, feito através da especulação financeira, que colocou como referências de êxito na sociedade os Berardos deste país? 
 São os processos de compadrio e corrupção desenvolvidos pelo centrão de poderes, com profundas promiscuidades entre os interesses públicos e os privados, que propiciaram as fortunas dos Loureiros e Limas da nossa desgraça? 
São as facilidades aos grandes detentores de ações da Banca ou de grupos económicos (e seus gestores) garantindo-lhes margens de lucro fabulosas e dispensando-os do devido contributo para o Orçamento do Estado? 
Serão os roubos organizados que consubstanciaram "empreendimentos" de êxito como o BPN? 
Será a fácil apropriação privada dos recursos que eram do povo português, como aconteceu com parte dos fundos comunitários? 
Será a venda a desbarato de capacidades produtivas do país em negócios de ocasião, propiciados a "empresários" sem qualquer empenho no desenvolvimento do país, ou a entrega das empresas públicas em processos de privatização prejudiciais ao desenvolvimento do país?
Não!
Quem fez bonitos com dinheiro que não era seu? Quem desviou milhões e milhões e não presta contas?

Basta observar as políticas seguidas e sabemos o que está na mente do PM. Em nome do combate ao regabofe está uma política de redução de salários e de pensões de reforma; de destruição de emprego e de aumento do desemprego; de ataque ao direito ao trabalho e ao trabalho com direitos; de redução acelerada do acesso ao subsídio de desemprego ou a proteção social mínima; de pôr fim a recursos e valências dos hospitais e centros de saúde, diminuindo perigosamente a oferta de cuidados de saúde; de introdução de um dualismo perigoso e reacionário nos percursos escolares dos nossos jovens, a coberto de propaganda enganosa sobre as políticas educativas.

O duro dia a dia da maioria dos portugueses e portuguesas mostra-nos à exaustão que, para Passos Coelho, combate ao regabofe significa tentar eliminar o Estado Social, os direitos sociais e direitos cívicos fundamentais. Significa práticas governativas de desrespeito das leis e da Constituição da República nas áreas do trabalho, da educação, da saúde, da organização económica e social.

As políticas do atual Governo têm como objetivo o empobrecimento e o recuo social e civilizacional, insistindo na tese de que isso é imprescindível para depois crescermos e nos desenvolvermos. Mas sem se saber quando e como.

A estratégia é simples. Primeiro, culpabilizaram os trabalhadores, os reformados, os desempregados, os estudantes, os doentes, inculcando-lhes a ideia de que os seus direitos ao trabalho, à reforma, ao subsídio de desemprego, à proteção social, ao ensino, à saúde, a condições de vida digna, eram privilégios e regalias que desequilibraram as contas e deram origem à crise. Agora, para consolidar nos trabalhadores e no povo a perda dos seus pequenos direitos dizem-lhes: nem pensem voltar ao passado porque isso era o regabofe.

Ao hiato de tempo em que consumam o roubo, chama o PM "aperto" para cumprimento de "formalidades".
Vamos lá travar-lhe o atrevimento!


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/08/12

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