Portugal, meu amor
Há oito séculos que somos assim. E aqui estamos, outra vez assustados, mas rijos, como os antigos marinheiros.
Há muitos anos que não se celebrava o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades debaixo de tão tormentoso temporal. É um tempo de borrasca que transformou o País numa pequena e frágil caravela em vagas revoltas e rijas.
Não bastavam os nossos próprios pesares. Agora, de Espanha, não vem bom vento, e tudo parece que se vai tornar mais difícil e doloroso.
As análises económicas e financeiras ganharam as dimensões de profecias catastróficas, o desemprego ergue-se como um Adamastor, a desorientação de muita gente já não tem outra forma de se exprimir que não seja pelo protesto, pelo insulto. Este ano vai ficar na História como um dos anos da brasa, dos muitos pelos quais já tivemos de passar para chegarmos aqui, inteiros, partilhando o mesmo chão que há 800 anos habitava nas estratégias militares de Afonso Henriques, nesta ‘Ditosa Pátria, minha amada’ que deu sentido à poética de Camões.
E hoje celebra-se a memória portuguesa mais profunda, que deu sentido à nossa existência enquanto País e Povo, que produziu a diáspora e construiu um dos maiores legados da humanidade: a nossa Língua. A Pátria de Fernando Pessoa. Hoje é o dia em que os resistentes, os destemidos, os corajosos, os homens e as mulheres dos campos e das cidades, da cultura e do desenrasca, os criadores de vacas e os criadores de poemas, os operários das madrugadas, da fuligem e dos jornais, e dos livros; as virgens e as mulheres grávidas, os solteiros e os casados, e até os mortos, estão incluídos neste testemunho que é Portugal a celebrar Portugal. Este sinal que vem das entranhas mais profundas da fome e da fortuna e da aventura e do risco e do amor infinito burilado em português.
Hoje é o dia em que temos de reconhecer que não fomos derrotados. Porque hoje convocamos dias bem mais ruins aos quais sobrevivemos, como haveremos de sobreviver agora. Por mais que doa. Por mais que sintamos a terra a fugir-nos debaixo dos pés. Aqui nascemos. Aqui nasceram os nossos filhos. Aqui descansam os nossos Mestres e os mestres dos nossos Mestres. Temos o talento do soneto e do desenrascanço. Há oito séculos que somos assim. E aqui estamos, outra vez assustados, mas rijos, como os antigos marinheiros, desafiando as tempestades. Bem-hajas, Portugal, por nos teres parido assim!
IN "CORREIO DA MANHÃ"
10/06/12
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