Os elefantes
em questões de saúde
A única forma de garantir os cuidados necessários, evitando o desperdício, é promover uma cultura de interação e complementaridade, não ignorando os eventuais elefantes
Se é verdade que toda a gente gosta de elefantes, não é menos verdade que também ninguém quer ter um em casa. Convenhamos... ocupam espaço, não são dados a dietas económicas e não têm grande utilidade prática.
Mas, ainda há aqueles que continuam a levar elefantes para o trabalho. Aqueles que todos vêem mas que ninguém fala sobre eles. Aqueles assuntos que têm um peso brutal mas que ninguém admite sequer como dignos de registo...
No passado fim-de-semana participei numa reunião da World Health Professionals Alliance, uma organização que congrega as associações mundiais representativas de profissionais de saúde, nomeadamente dos médicos, médicos dentistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e enfermeiros.
Os tópicos em discussão eram a colaboração entre profissionais e, como não podia deixar de ser, as implicações da crise financeira para as associações nacionais e internacionais.
No desenrolar dos trabalhos no período da manhã foi notória a preocupação de centrar as exposições nas necessidades dos doentes, mas também a de demarcar as responsabilidades que cabem a cada um dos profissionais de saúde na gestão do processo de cuidados. Porque, muito embora ninguém quisesse falar dele, um dos elefantes na sala era a convicção, da grande maioria dos presentes, que todos os outros profissionais de saúde têm uma tendência natural para extravasar aquelas que são as suas competências específicas.
Durante a tarde, a discussão centrou-se em como podem os profissionais, e as suas organizações, garantir o acesso a cuidados de saúde de qualidade num contexto de crise financeira, tendo presente a sua contribuição para a manutenção da necessária estabilidade económica e coerência social. Um debate particularmente sensível pelas implicações diretas das medidas de contenção de custos que predominam em muitos países, que podem passar pela opção de utilizar recursos humanos menos qualificados (ou tão-só menos onerosos?) para atividades até agora exclusivas de determinados profissionais. Porque, muito embora ninguém quisesse falar dele, um dos elefantes na sala era o facto de que todos os presentes estavam ali em representação de uma classe profissional que acredita ser indispensável e insubstituível.
A determinado momento, os elefantes na sala tornaram-se demasiado evidentes para serem ignorados. Foi então que começaram as intervenções verdadeiramente construtivas. Porque os elefantes ocupavam espaço que devia ser utilizado para discutir os assuntos realmente prioritários, quer na perspetiva dos cuidados que o doente recebe e não de quem os presta, quer também, na perspectiva de quem os paga e quer saber o que recebe em troca.
Falar-se em cuidados de saúde fragmentados pode ter-se tornado moda mas não deixa de ser um adjetivo incontornável para definir a forma como são prestados. Já o mencionei antes para as estruturas de cuidados de saúde e reitero a mesma opinião para os profissionais: Sem uma estratégia de integração é o doente que sai prejudicado na sua saúde, e o Estado nas suas finanças.
A única forma de garantir os cuidados necessários, evitando o desperdício, é promover uma cultura de interação e complementaridade, não ignorando os eventuais elefantes. Esta cultura tem de ser moldada desde a educação universitária dos profissionais, baseando-se na confiança mútua, fortalecida pela transparência de posições. Tem de ser alimentada com diálogos e um processo electrónico do doente partilhado. Elementos básicos, mas essenciais, para a construção do que no futuro se pode transformar numa verdadeira equipa de saúde pluridisciplinar, eficaz e eficiente.
No final da reunião, o Presidente da World Medical Association e antigo Presidente da Associação Médica Brasileira, Jose Luiz Gomes do Amaral, confidenciou: “Não sei qual a preocupação com os elefantes. Logo, logo, eles vão estar extintos”. Eu, que até gosto de elefantes, neste caso, espero bem que assim seja...
Farmacêutica
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24705/12
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