Os insustentáveis
Aguiar-Branco chegou e disse. Na cara de generais, coronéis e afins, decretou que a tropa, tal como está, é financeiramente insustentável. A afirmação caiu mal, ainda por cima porque pressupunha a redução drástica de efectivos. É um sinal dos tempos. Desde que este Governo ascendeu ao poder, fomos sabendo, com sobressalto e resignação, que a pátria é insustentável. Na saúde, na educação, na assistência social, na justiça, na segurança, nos transportes públicos, na RTP, na RDP, nas pensões e nas reformas, sem a supressão dos subsídios de férias e do décimo segundo mês, com a manutenção da tolerância de ponto no Carnaval, a pátria não consegue sustentar-se a si mesma. Pergunta-se: então, como se aguentou, até agora? Com dívidas, golpadas, ardis e manigâncias?
Nesta teoria de "insustentabilidade", os próprios portugueses estão incluídos. O Governo não sabe o que fazer deles, e incita-os a emigrar, com o descaramento de quem é incapaz de solucionar o problema e assim dissimula a sua incompetência política e ética.
Mas as coisas complicam-se. E as decepções vão-se acumulando. A solidariedade parece estar desempregada na Europa. O imigrante é olhado de soslaio. Uma das facetas essenciais do neoliberalismo é reduzir a democracia às funções de "superfície" e estimular o individualismo. O "estrangeiro" é o inimigo. A possibilidade de escolha, apanágio das sociedades democráticas, dissolveu-se: não há oásis; o conceito de pluralidade transformou-se numa hostilidade que ronda a abjecção. O jornalista Noé Monteiro, correspondente na Suíça da RTP, foi o autor, no domingo, p.p., de uma pungente reportagem sobre portugueses que tentaram fugir à fome e à miséria e entraram num outro crisol do inferno. A Suíça, outrora acolhedora, embora áspera e burocrática, ela própria feita de politeísmo de culturas e de valores, é uma incerteza irredutível. O neoliberalismo impôs a normalização das estruturas e dos comportamentos. O mundo, hoje, é um lugar de vazio, de afronta e de desumanização.
Em Portugal, ameaçados pelas contingências de uma filosofia política que alastrou como endemia, os portugueses não sabem que fazer. Aliás, como as hesitações, as derivas e as perplexidades de quem nos governa. Esta gente quer-nos levar para aonde?
Parece que ninguém possui capacidade e talento para enfrentar a realidade circundante. "Todos somos culpados." A frase, utilizada por quem, realmente, é responsável, serve de encobrimento a uma experiência político-económica que deixou a Europa de rastos e promoveu a mediocridade como norma. O surgimento de Merkel e de Sarkozy pertence a essa lógica do absurdo, incapaz de resolver a complexidade criada pela sua própria irracionalidade.
Estamos num ponto da História em que todos somos "insustentáveis".
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/02/12
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