BALANÇO
A menos que se seja um ferrenho laranjinha, no ano que agora termina, não é fácil encontrar um acontecimento nacional de nota positiva.
Minto. O reconhecimento, pela UNESCO, do Fado como Património da Humanidade faz justiça não apenas a uma candidatura bem preparada, mas à reconciliação de um povo com a sua canção urbana. Foi preciso que ao longo das últimas décadas esse mesmo povo tivesse feito as pazes com a ‘sua canção’, e que esta tivesse renascido com novas vozes e instrumentistas, para que a candidatura merecesse credibilidade e adquirisse uma força imparável. Portanto, somos capazes. Mesmo que a ‘nossa canção’ connosco se tenha travado de razões ao longo da sua história. Eu fui dos que cresci a detestar o fado, porque sinónimo de resignação e submissão. Jovem, de memória curta, e duro de ouvido, ignorava que antes de Salazar ter domesticado a canção, dela sempre desconfiara porque espelho das vidas difíceis da cidade. O que eu não sabia e hoje sei é que o fado nem sempre fora resignação e a ela lhe sobreviveu.
RESIGNAÇÃO é uma palavra de difícil pronúncia nos tempos que correm, porque legítimo é o medo que varreu o país em 2011. Na verdade, este ano teve duas partes. Na primeira, a maioria do povo exprimiu o seu desencanto com o Governo que se foi. O episódio maior dessa manifestação de vontade, feita de razões não raro contraditórias, foi a multidão que se juntou a 12 de Março.
QUANDO, três meses depois, o povo votou, o ambiente do país tinha mudado radicalmente. Até então, a crise tinha, no essencial, sido paga pelos desempregados e pelos benefi- ciários dos serviços sociais, mas a partir de Maio tornou-se claro que quase ninguém iria escapar.
As condições impostas pela troika multiplicaram os medos sem remissão. Apesar dessa intuição, a maioria quis desesperadamente acreditar que o seu futuro dependia do dinheiro de um empréstimo cujo preço estava longe de conhecer. A poucos ocorreu pedir a factura detalhada. Aliás, quem o fez foi olhado de soslaio e acusado de desmancha-prazeres. E hoje? Hoje, o que se pode dizer é que os seis meses de novo Governo já são uma eternidade.
REGRESSO à resignação: nem sempre dura e nunca dura para sempre. Esta é a lição maior do maior e mais imprevisível acontecimento internacional deste ano – a revolta árabe. Os regimes autoritários que, com a cumplicidade do Ocidente, dirigiram durante décadas os países do norte de África e do Médio Oriente estavam podres por dentro e corroídos pela corrupção. Estamos perante revoluções inacabadas, com formas de desenvolvimento muito diferenciadas e que precisam de se saber defender das ingerências externas se quiserem preservar a sua razão de ser. Mas a Primavera Árabe é, apesar de tudo, a promessa de 2011.
IN "SOL"
26/12/11
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