17/12/2011

BILL GROSS



Cuidado com a queda do euro

As moedas são como os fantasmas - nunca se consegue agarrá-las e podem assombrar para sempre a taxa de crescimento de uma economia ou a carteira de um investidor. Isso talvez se deva ao facto de o valor do dólar ou do euro ser, na melhor das hipóteses, uma estimativa aproximada - dependente da loucura das pessoas e da opinião pública no momento, ou da racionalidade de princípios fundamentais de mais longo prazo no minuto seguinte. Oscilações de 10% a 20% do valor anual relativo vs. outras opções é um lugar-comum.

E parece ser esse o caso do euro, quando comparado com o dólar, a libra, o iene e talvez mesmo o recém-chegado e fortemente controlado yuan chinês. Podia subir ou descer - ou tomar qualquer direcção, na verdade - com base nas medidas tomadas na semana passada envolvendo a União Europeia, o FMI, os bancos centrais do G5 e, claro, a interpretação que os mercados, qual rebanho, fazem delas.

Então para onde vai o euro? Quase de certeza, para baixo, talvez significativamente, por várias razões. Em primeiro lugar, e mais importante, o destino do euro dependerá da estabilidade da zona euro e de uma eventual taxa de crescimento, caso consiga manter unida a sua família disfuncional. Embora a saída de um ou dois membros mais pequenos da União Europeia (leia-se: Grécia e Portugal) pudesse, com o passar do tempo, fortalecer o euro, um destino semelhante para Espanha e para Itália afundá-lo-ia, ou acabaria mesmo com ele. A sua queda é pouco provável, mas mantém-se, na linguagem dos mercados, um acontecimento imponderável - um factor a ter em conta. Mesmo partindo do princípio que a família se mantém unida, existem interrogações legítimas sobre a capacidade que os 17 países da zona euro têm de crescer. Políticas orçamentais restritivas impostas pelos superintendentes germânicos prometem prolongar a recessão em quase todos os países - incluindo na Alemanha. E quando uma economia está em declínio, a sua moeda também o está.

Uma das razões da força relativa do euro nestes últimos meses tem sido uma vantagem, quando o temos. O dólar, a libra esterlina, e o iene oferecem, todos eles, taxas de juro próximas do 0%, enquanto a taxa do Banco Central Europeu (BCE) é quase de mais 1%. Talvez já no dia 8* essa diferença diminua consideravelmente, quando o BCE se juntar ao resto do mundo desenvolvido na sua luta contra a deflação, em vez de contra a inflação. E se as restrições da política orçamental limitarem a recuperação económica em 2012 e depois, a capacidade do BCE de voltar a um regime monetário relativamente apertado em comparação com o dos outros bancos centrais será limitada. Durante anos a força do euro tem assentado na sua grande semelhança com o Bundesbank e o histórico marco alemão. Todavia, neste momento, com a flexibilidade do BCE e a perspectiva de uma transferência de fundos de um milhão de milhões de euros para apoiar os mercados de obrigações da zona euro, a sua moeda pode ser uma imagem fantasmagórica do marco de antigamente.

Nem a economia norte-americana, nem os índices bolsistas norte-americanos beneficiarão com a queda do euro. Um euro em queda significa um dólar em ascensão em termos relativos, passando por isso as exportações norte-americanas a ser necessariamente menos competitivas. Durante a Grande Depressão, o país que mais, e mais rapidamente desvalorizou a sua moeda foi o país que foi menos afectado pela depressão e que mais depressa recuperou. Este axioma vai ajudar a zona euro e travar a recuperação norte-americana.

Além disso, perto de 50% das receitas da maioria de empresas norte-americanas que fazem parte do índice Standard & Poor"s 500 provêm dos registos de caixa globais - e a maior encontra-se na zona euro. Moedas sem cobertura de risco para empresas como a Procter & Gamble e a Coca-Cola terão como resultado uma redução dos lucros, porque os seus euros passam a comprar menos dólares.

É certo que os princípios fundamentais do mercado e aquilo a que Warren Buffett chamou uma "balança" são muitas vezes contrariados por fluxos técnicos mais representativos de uma máquina de votação. O repatriamento dos investimentos estrangeiros da zona euro para satisfazer os requisitos de margem e de capital podem continuar a sustentar a moeda. E os hedge funds e os especuladores podem ser fortemente unilaterais na antecipação do provável declínio do euro. Mas são muitos os argumentos em contrário: uma possível ruptura catastrófica, um crescimento negativo, mesmo que a União Europeia se mantenha unida, taxas de juro quase abaixo de zero e a eventual emissão de milhões de milhões de euros adicionais. Ao fazê-lo, o BCE juntar-se-á à Reserva Federal, ao Banco de Inglaterra e a outros bancos centrais num esforço concertado para reanimar as respectivas economias. A inflação estará então para chegar.

* Este texto foi redigido antes do dia 8, quando o BCE decidiu descer a taxa de juro de referência para 1%, e antes da cimeira europeia.

Bill Gross é fundador da Pimco, empresa de gestão de fundos de investimento.

IN "PÚBLICO"
12/12/11

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