Dúvida colossal
As transferências no futebol são um tema sensível e é preciso haver coragem política para o atacar o fundo. Estamos a falar de milhões de euros que são movimentados, depois de muitos contactos e intermediações várias.
Pela falta de informação, pela complexidade das operações, pelas notícias que dão conta de investigações e pelas declarações feitas, neste âmbito, pelos próprios atores do futebol (“são milhões da treta”) e porque estas movimentações podem ter consequências negativas ao nível do erário público, é tempo de o poder político e o Governo abandonarem a tradicional postura de espectador passivo, porque começa a ser escandaloso o garrote imposto aos contribuintes e, ao mesmo tempo, mostrar toda a condescendência perante situações abusivas que têm como protagonistas, designadamente, o sector bancário e a “indústria do futebol”. Não é só uma questão de transparência; é uma questão de “justiça social”.
O Governo socialista e o anterior secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, prometeram empenhar-se a fundo na criação de mecanismos mais eficazes na regulação das transferências. A desculpa oficial para nada se ter feito neste domínio consistiu na prioridade de outro “dossiê negro” relacionado com a resiliência demonstrada pela FPF em adaptar os seus estatutos à lei do País. O Estado só é forte perante os fracos. O Estado fraqueja perante os poderosos e as negociatas.
O Governo mudou. Prometeu-nos verdade e transparência. Prometeu-nos uma forma diferente de fazer política. Constituiu um elenco governativo que foi, em certa medida, uma pedrada no charco. Confio muito em Paula Teixeira da Cruz, na Justiça. Com ela, julgo que é possível alcançar esse desígnio de qualquer estado verdadeiramente democrático: mais e melhor Justiça, sem medo das alavancas do poder. O futebol não pode continuar a ser a almofada da classe política. O elemento distrativo do povo, como o era com Salazar. O futebol é, na sua génese, um jogo democrático. Onze contra onze. Mas é também uma indústria que cultiva as imparidades e faz delas gato-sapato. Nesse sentido, a democracia tem sido “fixe” para o futebol. Não o perturba, não o questiona e olha o fenómeno como uma atividade lúdica, que não provoca dano nem dor. Não é verdade. São cada vez mais os exemplos de adulteração de resultados.
O Benfica, no caso da venda de Roberto, não fez mais do que prestar a informação considerada mínima à CMVM. O Benfica não fez mais do que agir de acordo com as exigências tomadas como suficientes. Achou despiciendo ajuntar informação mais precisa. O Benfica agiu de acordo com o País que efetivamente somos. Neste caso, achar que o Saragoça, clube falido, poderia pagar 8,6 milhões de euros por Roberto assemelhava-se a uma brincadeira de meninos. Não dava para acreditar. A CMVM fez o que tinha a fazer. Mas não chega. As SAD não podem ousar, neste plano, tentar não dar toda a informação. O frémito das tentativas não rima.
Quero confiar também em Miguel Relvas e Alexandre Mestre. É preciso agir e criar a Casa das Transferências para acabar com a dúvida colossal.
IN "RECORD"
04/08/11
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