Bond. Eurobond
Não vale a pena ter medo das palavras. O federalismo é a única discussão séria que importa fazer na Europa
Para início de conversa assumo que implico com esta incontornável modernice que é a moda de fazer política no facebook. É seguramente mais um sinal divino para me lembrar que já não vou para novo. Mas se fizer um esforço para ignorar a forma, devo confessar que subscrevo o conteúdo. Cavaco Silva acertou na "mouche". A inscrição de um limite ao endividamento nas constituições é, para alem de uma bizarria de efeito mais do que duvidoso, uma confissão desesperada da incapacidade militante das lideranças europeias (chamemos-lhes assim por simples conveniência). Incapazes de controlar as suas compulsões, os líderes europeus propõem agrilhoar-se voluntariamente. É a versão burocrática e institucionalizada do tradicional "agarrem-me antes que eu me desgrace". Ou, se preferirem, a emergência de uma nova escola de pensamento constitucional que parece confundir leis fundamentais com centros de desintoxicação.
A coisa seria só patética se não fosse uma prova eloquente de que a jangada europeia está desesperadamente à deriva. A norte, Merkel e Sarkozy insistem em não ver o óbvio: a única solução para apagar o incêndio que varre a Europa dá pelo nome de eurobonds. Mais a sul, os líderes dos países na primeira linha do fogo, entre os quais está naturalmente Portugal, insistem em não confessar outra evidência: os eurobonds terão um preço - de resto absolutamente legítimo - que dá pelo nome eufemístico de "transferência de soberania". Não será politicamente correto dizê-lo mas é obviamente verdade: o resgate estrutural dos países periféricos rima inevitavelmente com uma maior integração política. É exatamente isso que está a pensar: federalismo. Não vale a pena ter medo das palavras.
Esta é pois, provavelmente, a única discussão séria que importa fazer na Europa. Mas esta é também, paradoxalmente, a última discussão que quer fazer uma geração de líderes europeus sem ponta de rasgo, de coragem ou de visão. Burocratas medíocres, reféns das opiniões públicas, escravos das tentações nacionalistas, educados na escola do pragmatismo desideologizado, são desmentidos humanos da própria ideia de liderança. Incapazes de fazer compreender aos seus eleitores, com a força que só as convicções genuínas podem gerar, que o desagregar do projeto europeu é, para além de um desastre económico que não interessa nem a ricos nem a pobres, um retrocesso civilizacional que custará muito caro, quem sabe se não a própria paz, a várias gerações tanto de alemães como de portugueses. E que a única forma de o evitar é deixar para trás os nacionalismos saloios e aceitar, sem complexos, a união politica que de resto devia ter nascido a par da união económica.
Pode ser que, tal como no filme de Capra, do céu caia ainda uma estrela. Que à 25.ª hora, ou em vésperas de Natal, a Europa acabe por não saltar da ponte. Mas não vejo ninguém, no panorama político europeu, com vocação para Clarence. E de resto não me parece sensato ficar à espera dos anjos. Ficava infinitamente mais sossegado se alguém começasse a chamar os bois pelos nomes. Nem que seja no facebook.
IN "VISÃO"
25/08/11
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