17/08/2011

FILIPE LUÍS








O luxo dos transportes

O Governo ainda há de taxar a ostentação de se viajar... no elétrico 28!

Quando os portugueses, por exemplo, os lisboetas mais desatentos, chegarem de férias e quiserem renovar o respetivo passe social, vão ter uma surpresa. E quando se dirigirem à bilheteira do Metro, da Carris, da CP ou das várias rodoviárias, servir-lhes-ão o título de transporte - e um copo de água com açúcar. Depois de anos de bandalheira, as empresas de transportes, com ratings de dívida abaixo de lixo, veem-se compelidas a equilibrar o orçamento de qualquer maneira. Ora, em vez de pedirem contas aos gestores públicos e outros boys que enriqueceram à custa de salários injustificáveis e mordomias inexplicáveis, de lhes pedirem que devolvam, novos, os audis e os mercedes topo de gama, o cartão de crédito com as despesas repostas e outras alcavalas, em vez de pedirem contas a tutelas e governos que incentivaram administrações incompetentes a viver à tripa-forra, esfolam, agora, o utente (o cliente, como gostam de dizer os neoliberais de última hora) do mesmo modo educado com que um simpático cidadão de lenço na face e carabina apontada ao peito nos pediria: "Passe para cá a carteira e o relógio, por obséquio. Já agora, junte lá o telemóvel." A única diferença é que, ao menos, as empresas de transporte nos dão um pedaço de papel a que o "cliente" chama "bilhete". E, se for preciso, ainda passam recibo, algo que o dito cidadão do lenço e da carabina dificilmente faria. Esperemos, ao menos, que os funcionários das várias bilheteiras mantenham o uso da farda da respetiva empresa, para que possamos distingui-los do salteador de esquina. Não fôssemos nós confundir tudo, entregando o relógio ao bilheteiro e pedindo recibo ao ladrão.

Bem sei que o aumento dos transportes é determinado pelo memorando da troika. Sábia troika! Preços caríssimos irão, com certeza, incentivar o uso do transporte público, contribuir para retirar o automóvel privado da via pública, ajudar à redução da importação de combustíveis - e assim melhorar o estado da economia nacional... - e melhorar o ambiente, reduzindo o buraco do ozono que pende sobre as nossas cabeças. O transporte público, na ideia da troika, e dos governantes, é uma despesa incomportável para o Estado. Não é um investimento destinado a reduzir o défice, provocado pelo abuso do transporte privado e pelas horas de trabalho que se perdem em filas de trânsito. Nem é um investimento que contribua para a melhoria das condições ambientais. Nem é, finalmente, um serviço público, que o Estado deve garantir, em nome de uma melhor racionalidade económica. Não! O transporte público deixou de ser um serviço para ter de ser um negócio. Deve dar lucro. Tornou-se, não um fator de boa economia para o cidadão e para o País, mas um luxo. Em breve, uma senhora que se apresente em qualquer vernissage nas Necessidades, exibirá uma tiara composta de... bilhetes da Carris! E na loja da joalharia Anselmo, no Centro Colombo, vender-se-ão, em vez de relógios Piaget, uma caderneta de dez bilhetes para o metropolitano. Depois, disso, o Governo ainda há de vir a taxar, como sinal exterior de riqueza, a ostentação de se viajar... no elétrico 28!

Que o digam os turistas, assaltados à porta do Elevador de Santa Justa, em Lisboa: para uma viagem de alguns segundos, pagam cinco euros. E sem carabina apontada ao peito! À atenção do ministro da Administração Interna: por força da atenção dada à criminalidade no Algarve, Miguel Macedo esqueceu-se de colocar um polícia à porta do elevador desenhado por Mesnier du Ponsard!

IN "VISÃO"
11/08/11

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