A saga dos ‘ratings’
A situação que a Eurolândia hoje tem pela frente é excepcional e tem de ser tratada como tal.
Mais uma decisão inesperada de uma agência de ‘rating'. Mais uma grande comoção nacional. Mais uma falta de serenidade analítica. E mais uma vez erra-se o alvo do problema.
A decisão da Moody's é inconveniente? É. Suscita uma sensação de injustiça, quando o Governo - e não só - se mostra totalmente empenhado em cumprir e ultrapassar os objectivos acordados com a ‘troika', tendo já mostrado esse empenho através de decisões difíceis? Sim. Mas centrar a discussão nestes aspectos e maldizer as agências de ‘rating' por estas consequências é atirar ao alvo errado.
As agências de ‘rating' regem-se por regras próprias e a sua missão é oferecer aos investidores uma classificação de risco dos devedores, para os orientar nas decisões de investimento. Ninguém é obrigado a seguir as suas classificações, mas é um facto que muitos investidores se orientam voluntariamente por elas e isso tem consequências para o acesso dos devedores ao mercado.
A reestruturação da dívida grega está a ser abertamente discutida, com o "estímulo" das autoridades europeias, e com a perspectiva de o seu resultado implicar perdas para os credores. Esta reestruturação, que acompanha o aumento da ajuda comunitária, está a ser activamente promovida pelas autoridades europeias, sinalizando que estas autoridades só se envolverão em mais ajudas, desde que os credores privados também participem e aceitem perder parte do valor investido. Neste quadro - que constitui, de facto, uma novidade - surpreende que as agências de ‘rating', tendo em conta a sua missão, alertem que aumentou o risco dos investimentos em devedores soberanos em situação problemática? Dificilmente...
É justo que os credores privados, que foram investidores irresponsáveis no passado, também paguem os custos do ajustamento dos países em dificuldades (para as quais contribuíram com a sua irresponsabilidade)? A minha opinião sobre isto está expressa no Nó Cego, publicado há quase um ano: "Seria de toda a justiça que os credores fossem chamados a pagar parte da factura, já que a sua irresponsabilidade creditícia também contribuiu para a presente situação". Mas as agências de ‘rating' não se pronunciam sobre justiça (moral).
Pronunciam-se sobre riscos de investimento e é um facto que o risco de perda destes investimentos aumentou (o que não quer dizer que esse risco se materialize necessariamente).
Podemos achar que a decisão agora publicada é exagerada, injusta, precipitada, etc. Mas, como disse, este não é o ponto essencial que deveríamos estar a discutir, porque esse tem pouco para discutir. O problema não está nas agências de ‘rating', está nas autoridades!
Se se acha que as decisões das agências são inconvenientes e dificultam, desnecessária e desmesuradamente, os processos políticos (e financeiros) de ajustamento, porque é que as autoridades lhes dão a importância que dão e lhes permitem condicionar as suas próprias políticas. Mais concretamente, porque é que o BCE condiciona a sua política de financiamento à avaliação das agências de ‘rating', em vez de usar a sua própria avaliação e/ou a das demais autoridades de supervisão? Porque é que, para o BCE, o ‘rating' da dívida dos países membros do euro tem mais valor do que o juízo dos órgãos comunitários? Porque é que, para o Sistema Europeu de Bancos Centrais, o juízo das agências de ‘rating' é mais importante do que o dos supervisores financeiros, a maioria dos quais integra directamente aquele Sistema?
Mesmo que tenha parecido justificável montar o sistema em cima de avaliações independentes produzidas pelas agências de ‘rating', a situação que a Eurolândia hoje tem pela frente é uma situação excepcional e, como tal, tem que ser tratada num quadro de excepcionalidade. E uma das primeiras medidas que deveria fazer parte desse quadro de excepcionalidade deveria ser precisamente tirar as agências de rating da equação dos decisores políticos (onde se inclui o BCE).
Agora quanto a nós, Portugal. A decisão é inconveniente, como já disse. Mas não adianta desperdiçar energia a discuti-la, porque tal não terá consequências. E muito menos deixarmo-nos desmoralizar. O que temos é que concentrar a energia em fazer o que é preciso ser feito - estabilizar as finanças e promover a competitividade e o crescimento - e cerrar os dentes até que os resultados comecem a manifestar-se. Pois só quando isso acontecer é que poderemos esperar que os juízos externos comecem a mudar.
Temos um Governo determinado em cumprir (e ultrapassar) o programa de ajustamento acordado com a ‘troika'; temos o principal partido da oposição comprometido com o mesmo programa e disposto a uma atitude responsável; temos a compreensão da sociedade que, recentemente, votou esmagadoramente nos partidos que tinham subscrito o programa de ajustamento, apesar de todos os cantos de sereia da campanha. Existe, pois, uma vontade colectiva de lidar com o problema com a dureza que ele requer, coisa que nunca existiu na Grécia. Isto é uma diferença assinalável e essa diferença vai acabar por se materializar em resultados.
Há que manter a convicção e a determinação; ter paciência e ter esperança. E daqui por seis meses vamos ver se temos resultados ou não. Se os tivermos, vamos ver que as coisas poderão começar a dar a volta. Até lá... cerrar os dentes!
Este artigo foi originalmente publicado no blog da Sedes www.sedes.pt/blog/
Vítor Bento, Economista e presidente da SIBS
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