16/07/2011

INÊS PEDROSA



Moody’s, quem és tu?


A chamada economia neo-liberal tornou-se um arraial de alcoviteiras: vive de insinuações sobre o que cada um faz ou não faz, pode ou não pode fazer.

As alcoviteiras de outrora usavam, todavia, uma ética profissional que não se pratica nesses albergues de intriga económica que são as agências de notação financeira: procuravam justificar as afirmações que produziam sobre o comportamento de A ou B.

Para dizer que fulana era amante de sicrano era preciso, pelo menos, tê-los visto entrar juntos para um hotel.

Mas em que se baseia a agência Moody’s para varrer Portugal para a categoria de ‘lixo’? Que sinais concretos possui para apostar no incumprimento dos compromissos internacionais portugueses, dias depois da entrada em funções de um novo governo?

O exemplo da Grécia não colhe: ao contrário do que aconteceu nesse país, Portugal não teve a ajuda da banca de Wall Street para maquilhar a dívida. Além disso, em Portugal o salário mínimo não é superior a 800 euros, como era na Grécia, e nenhuma cabeleireira se consegue reformar aos 50 anos alegando ter uma profissão de desgaste rápido, como sucedia nesse país que inventou a ideia de democracia (embora tenha sido sempre parco a aplicá-la).

E se as alcoviteiras de antanho, só por si, não empurravam ninguém para a forca, as agências de notação financeira têm esse poder absurdo. Quando classificam Portugal como ‘lixo’, sufocam financeiramente o país, porque o desacreditam internacionalmente – isto é, afugentam-lhe os investidores.

O problema central do nosso tempo reside na genuflexão da política diante dos deuses do dinheiro.

Para se salvar, o projecto europeu terá de assumir uma voz e uma unidade política que nunca teve.

Isso implica acordos de base entre os países europeus – legislação laboral, social e económica conjunta – e a defesa concertada dos Estados. Se os países economicamente fortes funcionassem como fiadores dos países enfraquecidos, Moody’s alguma poderia chamar ‘lixo’ a nenhum canto da Europa, sob pena de estar a ofender e desqualificar a Europa inteira.

A Moody’s, com o seu ‘mood’ desdenhoso, diz que Portugal cheira mal.

Portugal pode e deve responder que a defesa do dólar americano contra o euro também não cheira nada bem. Porque é disso que se trata: os génios da Moody’s não caíram das nuvens isentas do céu do saber, são americanos, defendem a sua coutada.

Mas não pode ser Portugal sozinho a responder isto – onde estão os nossos aliados? Que tem a dizer deste insulto o presidente da Comissão Europeia? Vai olhar para o lado e fazer de anjo de asas brancas, sem compromissos terrenos?

Escrevia Eça de Queiroz, em 1888: «A situação da Europa é medonha. Sob as crises que a sacodem, já a máquina se desconjunta. Nada pode suster o incomparável desastre. (…) E, com efeito, se a este prolongado e triste brado o homem que trabalha quieto na sua morada repara mais atentamente na Europa – ela aparece-lhe como uma sala de hospital, onde arquejam e se agitam nos seus catres, estreitos ou largos, os grandes enfermos da civilização».

Há quase novecentos anos que se sabe o que é Portugal – um país capaz de feitos grandiosos e desistências igualmente espampanantes.

Mas, apesar de tudo, um país firme e de palavra, com um currículo em várias áreas de que poucos se podem gabar. Já a Moody’s, não sei quem é. Sabemos que estas inteligentérrimas agências financeiras não foram capazes de antecipar o descalabro de Wall Street, que causou um terramoto terrível pelo mundo fora. Pergunta-se: quem és tu, Moody’s? E a voz do romeiro do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett responde, cavamente:

«Ninguém!».


IN "SOL"
11/07/11

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