Arteriotomia Nacional
"Os investimentos têm empurrado os portugueses
para fora do país que neles investiu"
Num encontro privado esta semana, ouvi o Presidente da Câmara Municipal de Nova Iorque, Michael Bloomberg, afirmar que o impacto positivo da morte de Bin Laden nas taxas de popularidade de Barack Obama será temporário. "Aquilo que, na verdade, interessa às pessoas é emprego e habitação", sentenciou. A resposta pode ser trivial, mas não é ingénua.
Portugal tem assistido a um verdadeiro êxodo. Tal como descrito no Velho Testamento, os portugueses também têm atravessado o deserto em direção à Canaã do emprego. Quase todas as semanas sou contactado por algum amigo pedindo-me sugestões para deixar Portugal. E quase sempre o desabafo é o mesmo: desânimo e falta de oportunidades. Segundo os últimos dados, entre 1998 e 2008 registou-se a segunda maior vaga de saídas em 160 anos, logo a seguir ao êxodo dos anos 60.
Muitas destas pessoas são pobres. Mas pela primeira vez existe uma vaga de emigração qualificada. Um dos principais legados dos governos socialistas foi o forte investimento na qualificação profissional dos portugueses. As nossas escolas e universidades são muito melhores do que há uma década. Há mais institutos, acordos, programas e parcerias. Nunca tivemos tantos licenciados, mestres e doutores. De 1996 a 2010, o financiamento de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento cresceu dez vezes. Foram investimentos semelhantes que conduziram a Suécia à liderança mundial nas áreas de inovação, ciência e tecnologia; ou a Coreia do Sul ao título de Tigre Asiático.
Mas as boas notícias acabam aqui. Ao contrário de outros países, em Portugal os investimentos têm empurrado os portugueses para fora do país que neles investiu. O problema não é a qualidade dos laboratórios nacionais, mas o teor das experiências que se fazem fora deles. A maioria destes jovens qualificados não se reconhece na classe política que os comanda. Existe um sentimento de que nossos líderes - a maioria sem experiência internacional e com insuficiente prática profissional fora dos partidos políticos - já não refletem o novo dinamismo da sociedade portuguesa. O elevado número da abstenção verificada nestas eleições espelha a falta de diálogo entre eleitos e eleitores. Ironicamente, para os portugueses, não votar tornou-se um exercício de cidadania. Cavou-se um fosso e surgiu um novo mar Vermelho. Somos hebreus e egípcios.
Estancar esta sangria é um dos principais desafios de Passos Coelho. Ainda que o novo governo esteja murado pelas políticas da troika, só conseguirá sobreviver se adotar uma postura de rutura - com caras e causas novas. Não é preciso ter um doutoramento para chegar a esta conclusão. Não é preciso saber falar línguas estrangeiras. Não é preciso ser viajado. É simples: basta saber escutar.
* Pós-doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Columbia, EUA. Formado em Negociação Internacional pela Universidade de Harvard.
IN "VISÃO"
08/06/11
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