Os livros de economia escolhidos pelos candidatos a Primeiro-Ministro.
O que têm em comum Freeman, Avelãs Nunes, Adam Smith, Max Weber ou Nicholson? São os autores eleitos pelos candidatos a PM.
Isto de escolher o livro que mais nos marcou tem muito que se lhe diga. Não é fácil. Especialmente se o livro for sobre economia, aquela ciência que não se quer aleatória mas sim com rumo. De preferência certo. Mas não é fácil. E é especialmente difícil se for político em período eleitoral, num país com uma economia arruinada e onde, por um lado, as teorias neoliberais não têm dado provas de validade; mas por outro as teorias alternativas ainda não foram " lá muito bem estudadas". Para confundir mais a mente "não há ideologia em Portugal", diz José Adelino Maltez, politólogo, que refere que "num país onde, segundo as últimas sondagens, 70% dos portugueses se divide entre dois partidos, há uma grande unificação". E será que os líderes dos principais partidos leram Bernstein, o primeiro grande revisionista da teoria marxista e um dos principais teóricos da social-democracia? Pela mistura ideológica entre os dois partidos parece que sim. "Em Portugal, a esquerda e a direita são ambas sociais-democratas. Ou seja leram todos o mesmo livro!", exclama o politólogo. Mas será que leram mesmo?
O Económico foi tentar saber. Resultado: ninguém referiu Bernstein directamente e todas as respostas pecaram pela demora - dando, os nossos políticos, um claro sinal de que ainda não interiorizaram o conceito de tempo como um bem escasso. ("Shame on them". Pior: isto é mau para a economia moderna).
Neste desafio de escolha destaque para Paulo Portas, vencedor na categoria "resposta rápida", que não escolheu uma obra mas sim três. "Acredito que as tenha lido todas, refere Maltez, dizendo que "só estranhei que não tenha referido nenhum livro católico". Em segundo lugar, Jerónimo de Sousa escolhe uma obra de Avelãs Nunes, "um dos mestres sagrados do comunismo em Portugal". Passos Coelho ficou-se por uma obra de microeconomia, que é académica, básica mas que mostra o lado intuitivo do político. Louçã volta a surpreender com o brilhantismo da escolha. Freeman "é um grande autor", refere o economista Miguel Beleza, em linha com Álvaro Santos Pereira, que confessa "gosto bastante de Freeman".
José Sócrates:
"Os Pressupostos do Socialismo e as
Tarefas da Social-Democracia"
de Eduard Bernstein
Começamos pelas más notícias. Apesar da insistência, que foi muita, e da longa espera por uma resposta que indicasse a escolha de um livro marcante para José Sócrates - Engenheiro de formação e líder do Partido Socialista - não obtivemos resposta em tempo útil. Sabemos que a escolha de um livro é difícil... Dito isto, vamos dar destaque à última grande obra referenciada por José Sócrates em público. De notar que esta referência é feita com base no pressuposto de que o PM demissionário não mudou de gostos e interesses nos últimos tempos. Falamos de "Os Pressupostos do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia" de Eduard Bernstein, o grande pai dos princípios teóricos da social-democracia. Este autor alemão, que foi também político, é o primeiro grande revisionista da teoria marxista. Curiosamente, este autor também já foi referenciado pelo nosso actual Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e por Francisco Pinto Balsemão, ambos do Partido Social Democrata. Facto que dá peso à ideia de José Adelino Maltez que refere que vivemos num país onde, verdadeiramente, não há ideologia. "A esquerda é social-democrata e a direita é social-democrata." Adelino Maltez, politólogo, adianta ainda a propósito da "moda Bernstein", que o político alemão "era uma autor politicamente correcto para ser referenciado". E Maltez defende que, não só, mas também por essa moda, é que a nossa democracia "é o resultado de uma democracia com partidos alemães num país latino", conclui. Com dúvidas sobre a literal "leitura desta obra por parte dos políticos", até porque há pouco tempo era difícil encontrar tradução portuguesa, Maltez não deixa de elogiar o livro que Sócrates já por mais que uma vez nomeou. O que não é para menos, dada a genialidade deste mestre, que merece aqui um ponto de honra.
Passos Coelho:
"Microeconomic theory: basic principles and extensions"
de Walter Nicholson
O professor Walter Nicholson, do Departamento de Economia do Amherst College (Massachusetts) é o autor da obra que mais marcou Pedro Passos Coelho. Sem tradução em Portugal, "Microeconomic Theory: Basic Principles and Extensions" é uma obra académica, que se poderia estudar, por exemplo, no segundo ano de Economia da Nova School of Business and Economics, instituição onde Vasco Santos é professor. Para este académico a obra escolhida por Passos Coelho é "didáctica". Claro está que se trata de uma obra de segundo ano. Porém - e como faz questão de realçar Vasco Santos - esta escolha tem importância porque este livro é intuitivo, mostrando claramente como a microeconomia é usada para analisar os mais variados fenómenos económicos. "Talvez perceba porque é que Passos Coelho o escolheu". Na verdade, adianta o professor - que deixa escapar, pelo tom da voz, que a escolha deste livro não tem nada de óbvio - "imagino que o candidato entendeu a utilidade da microeconomia, que é um instrumento de análise muito flexível e poderoso." O Económico contactou o autor da obra, que inicialmente se mostrou surpreendido por um dos candidatos a líder em Portugal ter falado nela. "Não tenho a certeza que o seu email seja verdadeiro. Mas se for, ficarei extremamente honrado que uma pessoa como o Mr. Coelho considere o meu livro útil. Pode confirmar-me que a sua mensagem é real?", pediu Walter Nicholson. O Económico confirmou que não se tratava de uma brincadeira e Nicholson concluiu, com mais segurança, o seu depoimento, escrevendo que "o que tentei fazer no meu livro foi mostrar como é que as forças e as limitações dos mercados podem ser estudadas, utilizando modelos matemáticos simples. De uma forma geral acredito que o poder dos mercados pode ser utilizado para atingir uma série de distintos objectivos sociais, a custos mais baixos." Mantendo-se confiante, Nicholson, que se pode vir a tornar o mentor "intelectual e económico" do próximo Governo, conclui dizendo que "se o meu livro contribui de alguma forma para a adopção de melhores políticas orientadas para o mercado em Portugal, eu ficarei extremamente satisfeito."
Paulo Portas:
"18 lições sobre a sociedade industrial"de Raymond Aron
Paulo Portas "lê sociologia e filosofia económica e não economia pura", garante uma assessora do candidato do CDS-PP. "Posto isto", são três as obras escolhidas por Portas: "18 lições sobre a Sociedade Industrial", de Raymon Aron; a "A Riqueza das Nações", de Adam Smith; e a " A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de Max Weber. Todas estas obras não são "puramente económicas", como refere José Adelino Maltez, politólogo, que considera, relativamente à escolha do livro de Max Weber, que este "é um ensaio breve e um livro de explicação". Do mesmo autor, Adelino Maltez prefere falar antes de "A Economia e a Sociedade", livro que considera "uma grande obra". A propósito do mesmo livro, José Arménio Rego, Professor de Gestão, refere que "a obra de Weber tem algumas ideais interessantes mas a tese tem sido contrariada por outras teorias. No entanto continua a ser considerada uma obra clássica". Entre as outras obras escolhidas por Portas, a "Riqueza das Nações", de Adam Smith, recebe comentários unânimes. "Dúvidas não existem que é uma obra clássica". Este livro escrito em pleno Iluminismo, tornou-se uma das principais bíblias do liberalismo económico, ideologia que se baseia na "dita verdade" de que deverá existir total liberdade económica para que a iniciativa privada se possa desenvolver. Tudo isto sem a intervenção do Estado. Sobre a obra de Raymon Aron, filósofo, sociólogo e comentarista político francês, o economista Miguel Beleza considera que também não é de economia pura" e, lê-se nas entrelinhas, que peca por não ser actual. Em conclusão, falamos de uma escolha que mostra um perfil diverso, que não é focado na economia, mas que tem ideologias económicas na base do pensamento - seja ele filosófico ou não. Curiosamente, o percurso de Portas, que é político desde 95, mostra essa diversidade de temas. De lembrar que Portas é licenciado em Direito, estreou-se como jornalista aos 15 anos e brilhou nos holofotes dos media quando esteve à frente de "O Independente", jornal que pretendia revolucionar a imprensa portuguesa. E que conseguiu. Portas é de todos o "mais dado a leituras e à procura do conhecimento", defende Maltez.
Jerónimo de Sousa:
"as voltas que o mundo dá"
de Avelãs Nunes
"Dos muitos livros de economia que me marcaram, escolho um dos mais recentes: ‘As Voltas que o Mundo Dá... - Reflexões a Propósito das Aventuras e Desventuras do Estado Social', de António Avelãs Nunes", refere Jerónimo de Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português, desde 27 de Novembro de 2004. A escolha do líder do PCP, que frequentou o antigo Curso Industrial e começou a trabalhar aos 14 anos como afinador de máquinas na MEC - Fábrica de Aparelhagem Industrial, é um livro com o carimbo das "Edições Avante!" (2010). Segundo o próprio autor - que ficou "muito satisfeito e honrado" com a distinção - "este livro foi escrito na sequência de trabalhos, reflexões e estudos sobre a máscara do estado capitalista". E dúvidas não existam quanto às palavras deste nome do comunismo português, que escreve nesta obra: "Hoje, no quadro europeu, parece claro que as correntes do chamado socialismo democrático (socialistas, sociais-democratas e trabalhistas) assumiram muito consciente e empenhadamente a sua função de gestão leal do capitalismo. E vêm assumindo cada vez mais a inspiração doutrinária, os métodos e os objectivos políticos do pensamento neoliberal dominante. O que não admira se nos lembrarmos de que os socialistas europeus são uma das forças políticas com maior responsabilidade no processo de construção desta União Europeia, cujos Tratados estruturantes criaram um quadro normativo dentro do qual se tornou praticamente impossível qualquer alternativa ao neoliberalismo". Avelãs Nunes, que se tem dedicado à economia política, é jurista e professor catedrático, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Curiosamente, a dissertação do seu doutoramento, datada de 1984, foi sobre a Industrialização e Desenvolvimento - "A Economia Política do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento". Outras das suas obras são: "Estruturalismo - Monetarismo, Significado de uma Polémica" (1978), "Teoria Económica e Desenvolvimento Económico" (1988) e "Noção e Objecto da Economia Política" (1996). Uma escolha que mostra o espirito de luta do Secretário Geral do PCP.
Louçã:
"The economics of hope: essay on technical change, economic growth and the environment" de Christopher Freeman
"É impossível saber qual foi o livro mais marcante. Porém um livro que me marcou foi "The Economics of Hope: Essay on Technical Change, Economic Growth and the Environment", de Christopher Freeman, refere Francisco Louçã, candidato pelo Bloco de Esquerda às próximas eleições e professor de Economia no ISEG. Chris Freeman, como era conhecido, desapareceu recentemente (2010) mas deixou muita obra. Estudante de economia da London School of Economics, Chris Freeman foi influenciado por Harold Laski e por John Bernal. "Conheço este autor, sim," diz Miguel Beleza, que reconhece também que ainda não leu a obra: "Mas agora vou ler". Quem conhece bem o autor é Álvaro Santos Pereira que gosta "bastante", mas que também reconhece que ainda não leu o livro em causa. De qualquer forma é importante reter que Freeman foi o responsável pelo ressurgimento da tradição neo-schumpeteriana, que tem por base o papel crucial da inovação para o desenvolvimento económico e que também destaca o importante papel das actividades cientificas e tecnológicas para atingir o bem comum. Como refere T.A. O'Lonergan, da organização não governamental Beyond Intractability, "este livro é destinado aqueles que procuram entender as limitações das considerações puramente económicas para a avaliação do crescimento económico". Este trabalho está dividido em três partes, a primeira das quais aborda as políticas de alocação de recursos para as actividades científicas e técnicas. O primeiro capítulo discute o livro de JD Bernal "A Função Social da Ciência". Freeman passa daqui para uma discussão da ciência e da economia a nível nacional. Ele fecha a secção com uma análise da relação entre as actividades de design e performance competitiva - de comércio internacional - da Grã-Bretanha."
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/05/11
Sem comentários:
Enviar um comentário