25/06/2011

FILIPE LUÍS








Vai formoso e não seguro

Ambos, Seguro e Assis, estiveram ao lado de Sócrates, 
no núcleo duro do guterrismo 

A 16 de maio de 2003, um político foi agredido por gente do seu próprio partido, numa aparentemente pacata cidade do Norte do País. Refugiado num edifício, foi, depois, protegido da turba, pela GNR, que o levou dali, a grande velocidade, num "jipe". Não era Marcelo Caetano a abandonar o Largo do Carmo, após 48 anos de ditadura, seis dos quais sob a sua égide. Era, sim, um jovem socialista, chamado Francisco Assis, então com 38 anos. E tudo o que tinha feito de mal fora, como presidente da federação distrital do Porto do seu partido, retirar a confiança política à autarca do PS, Fátima Felgueiras, indiciada em casos de corrupção e foragida da Justiça.

Francisco Assis estava em Felgueiras para, cara a cara, explicar aos militantes locais as suas razões. Mas a militância tem razões que a razão desconhece. E o PS verdadeiramente profundo nunca perdoaria a Assis o desplante, a falta de espírito de tribo ou a facilidade com que deixou cair "um dos nossos". A forma de fazer política de Assis, transparente, guiada por princípios, racional e descomprometida dos interesses locais, não contribui para criar espírito de corpo, formar tropas ou arregimentar apoios. Não admira que ele seja, desde então, uma espécie de estrangeirado de que o partido mais profundo e telúrico se ressente. Todos os partidos têm as suas claques, e, dentro das claques, os seus hooligans - como bem se viu no Hotel Altis, na noite eleitoral, durante a fase de perguntas a Sócrates. E são estes que, muitas vezes, marcam o ritmo.

Hoje, diz-se que António José Seguro tem as preferências do aparelho do PS. Foi ele quem se reservou, sem exposição, durante os anos do "socratismo", preparando o terreno, visitando distritais, almoçando com militantes, não se comprometendo com a governação. Mas é injusto dizer que, no caso Felgueiras, teria atuado de forma diferente. Estou convencido de que se tivesse tido o lugar, a responsabilidade e o tempo, teria agido exatamente como Assis. Nada, no seu caráter, nem no seu currículo de político impoluto e ministro competente (de Guterres), indica que pactuaria com casos de corrupção ou hooliganismo político. Mas o certo é que a noite de 16 de maio não foi a dele. E que, se o País apreciou a coragem de Assis, os militantes do PS mais ferrenhos, conhecendo o amor de Seguro à camisola, que vem dos tempos de líder da JS, confiam mais nele.

As diferenças que separam Assis de Seguro são, do ponto de vista programático, muito ténues. Ambos foram homens de Guterres, jovens quadros do PS puxados para cima pelo antigo primeiro-ministro. Os dois são moderados, não pertencem à ala esquerda nem se acoitaram em trincheiras opostas. Mais: apesar do alegado corte de Seguro com o passado, ambos estiveram ao lado de Sócrates, no núcleo duro, nos tempos da liderança de António Guterres. O que os move, na verdade, é o autoconvencimento de que chegou a sua oportunidade - e o antagonismo pessoal que lhes ficou desses tempos. Resta ao PS perceber qual acrescenta valor ao partido, qual tem mais capacidade de se virar para o exterior e qual estabelecerá maior empatia com os portugueses. E, para isso, não se deve confiar numa qualquer sondagem, nas muitas Felgueiras deste País.


IN "VISÃO"
16/06/11

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