21/05/2011

MÁRIO RAMIRES

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Varanda do Chiado









A foice da regionalização


A redução do número de municípios e o ponto final na regionalização são virtudes do acordo com a troika. Com um senão: o provável adiamento da renovação dos autarcas.

ENTRE os inevitáveis sacrifícios inscritos no Memorando de Entendimento a que o Governo (PS) e os dois partidos da Oposição no arco da governabilidade (PSD e CDS) se vincularam perante a troika, há uns que o serão mais do que os outros.

O fim dos governadores civis, por exemplo, sacrificará, por junto e sem prejuízo do respeito por quem empenhadamente cumpriu bem as funções, um reduzido número de homens e mulheres ligados ao partido no Governo, a quem cabe a respectiva nomeação.

O Governo Civil é, há demasiado tempo, um mero lugar de colocação das terceiras, quartas ou quintas linhas dos aparelhos partidários, em jeito de prémio de consolação, de prateleira bronzeada (porque nem chega a dourada) ou de compensação por serviços militantemente prestados.

São, tipicamente, jobs for the boys.

As competências são facilmente transferíveis para outras entidades da Administração Central e/ou Local. E os orçamentos são quase ridículos.

Quer isto dizer que apoupança para o Estado que resultará da extinção dos governadores civis não será, do ponto de vista meramente financeiro, grande coisa. Mas já não assim do ponto de vista simbólico – tem um significado real e importante acabar com cargos e gastos absolutamente dispensáveis, sobretudo porque sem impacto negativo nos serviços prestados à população.

Muitomais significativo, a todos os níveis, incluindo o financeiro, é o compromisso que o Estado português (leia-se também PS, PSD e CDS) assumiu de reduzir o número de Municípios (308) e de Freguesias (4.259) em que estão divididos os 18 Distritos do país.

Há que reconhecer que são câmaras e juntas a mais. Sobretudo porque – salvaguardando o devido respeito pelas honrosas excepções – umas e outras são em regra mal geridas (com défices gigantescos) e, para além de serem focos de corrupção generalizada, transformaram-se em agências de emprego e de colocação de aparelhos partidários e caciques locais, com milhares e milhares de fazedores de nada, entre assessores, adjuntos e técnicos de coisa nenhuma. Que muito contribuem para os superlativos encargos do Estado.

A reforma administrativa do Estado já devia ter sido feita há muito.

Mas tem vindo a ser sucessivamente adiada.

À afirmação da vontade política de reformar propalada pelas cúpulas partidárias, sempre se impuseram os interesses menores, mas poderosos, dos aparelhos e dos caciques locais.

Mais um ano e acabou. Por muito que as associações de municípios e de freguesias estrebuchem, vai mesmo ter de haver uma redução – e espera-se que considerável – de municípios e de freguesias. A bem do Estado e... das populações locais – principalmente do desertificado Interior do país.

A rede de estradas (e auto-estradas) é das poucas reformas que verdadeiramente foram bem concretizadas nas últimas décadas. Mas nem por isso os distritos do Interior conseguiram promover a fixação de populações e, sobretudo, de investimento.

Portugal precisa de novas centralidades, de novos pólos industriais, de recuperar a produção agrícola, de desenvolver as redes de distribuição e de exportação. Os municípios demasiado pequenos – em população, em área geográfica ou em recursos financeiros – não têm capacidade para implementar políticas de atracção de pessoas, individuais ou colectivas, e de captação de investimento.

Esse é, aliás, um dos argumentos dos defensores da regionalização – entre os quais se contam os autarcas.

Ora, outra virtude do acordo com a troika é precisamente a certidão de óbito definitivamente passada à regionalização.

Portugal não precisa de mais burocracia, de mais uma classe política intermédia e de mais um grau nos centros de decisão.

Precisa, sim, de uma verdadeira descentralização.

A alternativa à regionalização sempre foi o reforço do municipalismo, que passa por ter municípios fortes e com capacidade de decisão.

A fusão e concentração de câmaras (e a extinção de inúteis juntas de freguesia) é o caminho. E o compromisso com a troika, nesse capítulo, é tudo menos um sacrifício.

Pena é que, em consequência, possa ser sacrificada a lei das inelegibilidades dos autarcas, que finalmente produziria os seus efeitos nas eleições de 2013.

A fusão de municípios, na maior parte dos casos, não deixará de aproveitar aos dinossauros do municipalismo para reivindicarem o direito de, assim, poderem continuar no poder e adiar, outra vez, a renovação que se impunha.

IN "SOL"
16/05/11

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