Os novos emigrantes
Volta e meia inventamos ideias que, de tão repetidas, se vão transformando em verdades. Acreditamos, por isso, que é a presente crise que está a fazer com que nos transformemos de destino de imigrantes num país de expedição de emigrantes.
Não é assim - a vaga de emigração portuguesa resiste há muito; mesmo nas décadas em que recebemos mais imigrantes foram mais os portugueses que decidiram emigrar ou se mantiveram emigrados; somos - e sempre fomos - um país de emigração fácil que, lá no fundo, acredita que os seus cidadãos devem ser bem acolhidos no estrangeiro mas que está disposto a muito pouco para bem acolher e integrar os estrangeiros que decidem trabalhar em Portugal.
A verdade é que a emigração faz parte do nosso sentir social como acontece com muito poucos, ou nenhuns, outros povos da Europa - parecido só se encontra a Leste, pela Roménia, e com especiais razões étnicas. É por isso que, apesar das incompletas estatísticas que teimamos em maltratar, Portugal tem, à sua escala, uma das maiores comunidades de emigrantes do mundo e terá, certamente, uma das mais longas tradições de emigração - sempre os portugueses recorreram à emigração como forma de escapar às recorrentes insuficiências do mercado de trabalho português.
Mas algo muda agora. Ao longo da história, a nossa emigração sempre enriqueceu Portugal, seja, durante a Monarquia e a colonização africana, por factores geopolíticos, seja, já durante o século XX, pelos volumes de remessas enviados pela comunidade emigrante. Perdidas as razões políticas, a soma de uma emigração pouco qualificada com elevados volumes de remessas foi gerando um saldo positivo que durante muitos anos foi mesmo acarinhado. Agora, no entanto, as coisas estão a mudar. Basta ir a Luanda, onde o número de emigrantes tem aumentado exponencialmente nos últimos dez anos, ou a São Paulo (ou a Maputo, ao Rio de Janeiro, a Londres ou Paris), para ver a olho nu que a emigração portuguesa está a ganhar novas características de transversalidade - ao lado da emigração não qualificada estamos agora a exportar quadros qualificados; ao lado das origens de emigração tradicionais temos agora uma emigração urbana de gente que, pura e simplesmente, desistiu de Portugal; ao lado da emigração para comunidades portuguesas temos agora uma emigração cada vez mais integrada que, por isso, cortará as suas raízes com mais facilidade. Precisamente aqueles em cuja formação o país investiu nos últimos trinta anos e que agora, por um passe de mágica, está a perder para, em muitos casos, nunca mais voltarem. E vai continuar a perder, num terrível ciclo vicioso. Um país que não cuida dos seus, perde-os. E Portugal vai assim perder muitos dos seus melhores.
in "DIÁRIO ECONÓMICO"
05/05/11
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