Bom padrinho
O universo portista tem estado esta semana a digerir a última diretriz do Grande Líder, hierarquizando com a autoridade que se lhe reconhece o valor das equipas que deram ao emblema a maior glória internacional. Ficámos a saber que o Porto de 1987 passa por ter a suavidade e elegância de um “Vintage” para servir à mesa de Reis, numa alusão a Artur Jorge, dito “Le Roi”, e que o Porto de 2004 não passaria de um “Reserva”, bom para acompanhar sobremesas, especial, mas não tão especial como José Mourinho gosta de ser reconhecido.
Não deve haver muita gente que concorde com esta hierarquia de ânimo leve, sobretudo porque ela pretende abrir caminho ao reconhecimento do Porto de 2011 igualmente acima de uma equipa que ganhou duas competições europeias consecutivas e respondia em campo com a harmonia e infalibilidade de uma máquina. Logo aqui, na afinação coletiva e na exploração do talento em prol da equipa, o trabalho de Villas-Boas tem mais afinidades com Mourinho do que com Artur Jorge, baseia-se muito mais no equilíbrio total, na solidariedade de grupo e no primado da tática, do que na liberdade criativa e na vertigem do risco que distinguiam Futre ou Madjer.
A saída apressada de Mourinho do Porto ter-lhe-á custado uma fatia do reconhecimento oficial e ele nunca aproveitou os anos de sucesso europeu para distinguir dos outros o emblema que o revelou. Mourinho desenvolveu uma marca tão forte que chega a rivalizar com os próprios clubes que serve, e da sua ingratidão à proclamação de figura non grata dista apenas o tempo de lhe arranjar uma alternativa afetiva.
Essa premência justifica os erros que Porto, Chelsea e Inter cometeram no ano pós-Mourinho, antes de compreenderem que só o tempo e um novo choque de paixão podem adormecer as suas recordações. Nem os anos de Jesualdo Ferreira criaram tal impacte, apesar da coleção de títulos, por causa do apagão social provocado pelos processos judiciais e pelo baixo teor carismático do treinador.
Mas o advento de André Villas-Boas com todos os títulos e recordes que soma e a perspetiva de uma carreira de grande sucesso suscitam o estratégico pedido de boleia do presidente ao treinador fenómeno. Num ápice, subiu de incógnita a certeza, de lufada de ar fresco a furacão, de miúdo a mestre: o jovem aprendiz que ousou comparar cátedras com Jorge Jesus passa da dimensão paroquial ao fabuloso mundo dos predestinados. Quem o descobriu, apadrinhou e empossou teve uma visão genial e merece o reconhecimento.
A euforia de Pinto da Costa em relação a este novo afilhado radica na progressiva tranquilização do discurso de Villas-Boas, primeiro treinador do FC Porto a vincar uma ligação afetiva e um aparente desprendimento em relação à carreira internacional, que tão facilmente roubou Artur Jorge e José Mourinho. A mirífica ideia de ultrapassar o Benfica, em títulos e em afetos, ganha um novo impulso com a adoção de um treinador que se confessa adepto, em primeiro lugar, e que concretiza conquistas pelo domínio transversal de todas as áreas da competição, incluindo o esvaziamento do prestígio dos adversários que podem fazer sombra. Talvez seja excessivo, mas o que faz a grandeza das instituições é a ambição dos objetivos.
IN "RECORD"
04/05/11
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