13/04/2011

FILIPE SANCHES



NO HOSPITAL


Depois de um diagnóstico muito ligeiro uns dias antes, as melhorias tardam em aparecer e por isso regresso ao hospital com um familiar meu para que sejam feitos mais exames. Preparo-me para longos e longos minutos de espera.

Não, não é uma seca. Seis horas nos corredores de uma unidade hospitalar são um manancial de histórias, um retrato de costumes deste país. Ficaria lá mais tempo, com agrado, desde que ninguém dos meus estivesse doente.
Os enfermeiros esforçam-se para prestar um bom serviço, os auxiliares desdobram-se em atenções e gestos simpáticos. Mas há por ali gente zangada, que anda de mal com a vida.
Uma médica dá um raspanete ao INEM em pleno corredor. O tom é algo disparatado, mas tem razão no que diz. "Uma garota que entala um dedo vem numa ambulância do INEM? Mas está tudo doido ou quê? E se alguém entrar em paragem cardíaca ou for atropelado e não houver transporte porque anda uma ambulância a passear um dedo entalado?" A equipa do INEM tenta desculpar-se, mas nem sequer é ouvida. A médica vira costas e lança mais um desabafo. "É por isto que este país está como está..."
No corredor, há um computador com falhas. É chamado o técnico informático. O homem aparece, olha, vai assobiando, vai cantarolando, mete parafuso, tira parafuso, mete cabo, tira cabo, liga ficha, desliga ficha. Descobre o problema e anuncia o seu feito. Toda a gente se regozija. "Este monitor está lixado, preciso de o levar para baixo... mas agora não me apetece". É por isto que este país está como está. Imaginem se um médico, em plena intervenção cirúrgica, percebe que tem de suturar uma artéria e diz "agora não me apetece".
Mais tarde, uma médica sai de serviço e entra outra. Também vem zangada. Cara de poucos amigos. Só anima quando recebe no seu gabinete uma senhora mais ou menos da sua idade. Uma senhora que não devia estar ali e que, por isso, é interpelada pela enfermeira. Rapidamente a médica entra em sua defesa. "Deixe passar esta «menina grande», vem ter comigo", diz. São amigas. A médica faz-lhe a consulta ali mesmo, receita-lhe uns medicamentos. Atender uma mulher com mais de 50 anos na pediatria não é grave? Talvez não, mas é por isto que este país está como está.


IN "JORNAL DO FUNDÃO"
30/03/11

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