15/04/2011

ANDRÉ MACEDO

ANDRÉ MACEDO

Os sapatos de Sócrates

Minutos antes de Sócrates anunciar ao País que capitulava, perguntou ao assessor que estava por perto se estava bem assim, à frente da câmara. Instantes como este há muitos, quase sempre irrelevantes. Com Sócrates, no entanto, aqueles breves segundos de vaidade lunática voltaram a denunciar um homem que vive em incesto com o próprio ego, um governante que no momento histórico em que vai assumir uma derrota política esmagadora ainda consegue preocupar-se com os acessórios de imagem - talvez até tenha meditado sobre a cor dos sapatos (estes ou aqueles?). Não há dúvida: é um desfecho pequenino para alguém que, há já muito tempo, teria merecido um epílogo menos caricatural. Mas foi nisso que Sócrates se transformou: numa caricatura dos seus defeitos. Até certa altura, fez todo o sentido que tivesse rejeitado o apoio (caro e recessivo) de Bruxelas. Havia, de facto, uma janela que se poderia abrir. A UE poderia apresentar um pacote mais preocupado com o crescimento e não apenas com a dívida. Desde Novembro ficou claro que não seria assim. Os juros que o País tem pago e o tempo desperdiçado (agora aceitamos tudo de joelhos) são a herança que Sócrates nos deixa. Espelho meu, espelho meu, haverá primeiro-ministro mais belo do que eu?

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
07/04/11

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