05/03/2011

PEDRO NORTON







Deixemo-nos de partes gagas

1 - A moção pode ser contra a direita, a esquerda, o futebol do Sporting, a desflorestação da selva amazónica ou a invasão do país pelos marcianos. Podem existir derrapagem orçamental, medidas estruturais ou falta delas e o que mais se queira sugerir ou inventar. Pode vir o FMI ou o rancho folclórico da baixa Sildávia. A moção pode partir do Bloco, do PCP ou de um repente de um qualquer Paulinho das feiras. Mas será assim tão difícil perceber que é o sonho, perdão, as sondagens que comandam a vida politica? Será assim tão difícil perceber que só das sondagens pode depender o imprescindível apoio do PSD a uma qualquer moção de censura ao governo? Será que é difícil entender que é fundamental que surjam, primeiro, estudos de opinião consistentes sobre uma vitória clara da direita em cenário de antecipação de eleições? Até lá, como diria a minha avó, vamo-nos deixar de partes gagas, está bem?

2 - Alexandre Soares dos Santos chegou, e bem, n`"o Sócrates". Sem paninhos quentes, acusou o primeiro ministro de ser especialista em "truques". E a coisa, como todas as coisas bizarras, fez-se notícia. Sem tirar qualquer mérito à frontalidade com que o patrão da Jerónimo Martins decidiu afrontar o governo, retiro do episódio uma pequena lição: o tento na língua dos empresários portugueses é inversamente proporcional à percentagem dos lucros gerados no território nacional. No país das maravilhas que é a nossa ensandecida pátria, o ensurdecedor silêncio de todos os demais, que é o que verdadeiramente faz do desabafo uma notícia, é uma demonstração eloquente do grau do seu aprisionamento ao Estado.

3 - Perdoem-me se não resisto e se volto ao tema. Mais de 20% dos jovens até aos 24 anos estão desempregados. São quase um em cada quatro. Quase 100 000. Pode gostar-se ou não do fenómeno Deolinda e da geração que representa. Podemos chamar-lhes geração rasca ou, hipótese que me parece apesar de tudo mais justa, geração "à" rasca. Gostos não se discutem. Mas o que me deixa verdadeiramente pasmado é ver esta discussão feita ao contrário. Ver tanta gente inteligente, à esquerda e à direita, entrincheirada de forma maniqueísta em posições ideologicamente trocadas. Eu sei que o mundo está louco mas neste caso, quer parecer-me, o erro é de mero diagnóstico. E é por precipitação que o debate se faz de pés para o ar. Explico melhor: ao contrário do que muitos querem fazer crer, a causa dos jovens desempregados não é a causa dos que, imobilistas e garantistas, querem uma vida feita de facilidades e um emprego para a vida. É a causa de todos quantos querem (ou deviam querer) precisamente o contrário. Porque é obviamente dos nossos empregos para a vida, da insustentabilidade das garantias que fomos abocanhando, da ortodoxia dos nossos sindicatos (que, é bom recordá-lo, são sindicatos de empregados e não de desempregados) que nascem as vidas sem emprego de que muito justamente podem queixar-se os jovens excluídos do atual sistema. Não será inteligente ofender simultaneamente a esquerda e a direita mas parece-me cristalinamente óbvio que Parva que sou é um brilhante manifesto liberal.

IN "VISÃO"
24/02/11

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