23/03/2011

ÁUREA SAMPAIO







Ilusão e realidade


Merkel & Cia impõem agora o 4.° PEC e amanhã o 5.° e depois o 6.°... Neste momento, já não somos senhores do nosso destino coletivo

Depois de ter deliberadamente provocado uma crise política, Sócrates apresentou-se ao País com o discurso do "eu ou o caos". Ao chefe do Governo convém eleições o mais rapidamente possível. Ele sabe que, à medida que o tempo passa e que as dificuldades das pessoas vão crescendo, diminuem as probabilidades de recuperar os votos perdidos - e já está naquela fase em que perde muitos votos diariamente. Com esse objetivo, Sócrates não hesitou em passar por cima de toda a gente, qual rolo compressor descontrolado. Humilhou o Presidente da República e o Parlamento, gozou com o PSD e ignorou, olimpicamente, a restante oposição. Mas não só. Teve a suprema desfaçatez de não dar cavaco ao seu próprio Governo (palpite: talvez só mesmo a gente imprescindível como Teixeira dos Santos e de absoluta confiança como Silva Pereira e Santos Silva) e, acima de tudo, de não informar os portugueses, ou seja, os visados pelas medidas extremas que prometeu a Bruxelas.

Se, ao contrário do que diz, o primeiro-ministro quisesse evitar uma crise política, teria justamente feito o inverso do que fez. Teria tomado os portugueses por gente crescida e de bom senso e, antes de ir a Bruxelas, dir-lhes-ia o que estava a acontecer: as exigências dos nossos parceiros comunitários em troca do acesso ao novo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, os prós e os contras de tais exigências, as ações a empreender por ele próprio e pelo Governo para conseguir o apoio de outras forças políticas. E, sobretudo, tentaria unir e envolver toda a gente num momento de extrema gravidade para o País. Porque a verdade é que estamos à beira da bancarrota, não há que escamotear a situação como Sócrates faz, ao apregoar que Portugal não precisa da ajuda de ninguém. Infelizmente, já estamos há meses a ser "sustentados" pelo Banco Central Europeu e, à medida que o tempo passa e que o nosso saldo negativo se agiganta, vai-se afundando a soberania nacional. É por isso que Merkel & Cia impõem agora o 4.° PEC e amanhã o 5.° e depois o 6.°... Neste momento, já não somos senhores do nosso destino coletivo.

No meio da angústia e do desespero de tantos portugueses, as manifestações promovidas por jovens que se autodenominam "geração à rasca" foram uma lufada de ar fresco que varreu o País. Sem enquadramento político, eles mostraram que não são apolíticos ou contra a política, ainda que legitimamente possam não respeitar "estes" políticos. Sem meios, foram capazes de mobilizar todas as gerações, todos os credos ideológicos e diferentes classes sociais. Sem medo, resistiram aos anátemas que lhes foram sendo lançados por muitos setores do sistema político-mediático, que detesta os intrusos, sobretudo quando estes escapam aos quadros mentais em que costumam encaixar os seus cenários. Mais do que mostrarem estar contra o Governo ou contra o que quer que seja, os jovens provaram que há por aí muito boa energia à solta, a reclamar, com naturalidade, ser parte da solução dos problemas que nos afetam a todos enquanto povo.

É isto que Sócrates não entende. Precisamos de soluções e não de jogadas políticas traçadas a régua e esquadro. A política tem o seu quê de artístico, na medida em que os seus protagonistas são capazes de nos despertar sentimentos tão avassaladores quanto o desempenho dos verdadeiros atores, numa peça genial. Mas este não é o tempo da ilusão, porque a realidade impõe-se à vaidade dos pequenos egos e à soberba dos homens providenciais.

IN "VISÃO"
17/03/11

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