Deputados com ligações
ao sector onde legislam
"Quando se reúne a Comissão Parlamentar das Obras Públicas, com seis dos seus membros directamente ligados ao meio, mais parece estar reunida uma associação empresarial do sector." A frase surge já no final do texto do ex-vereador de Rui Rio na Câmara do Porto Paulo Morais. Termina assim um retrato negro e violento do actual cenário político visto por quem esteve por dentro e está agora fora do jogo. Morais foi um dos 14 autores que escreveram, cada um, um capítulo que compõe a homenagem em livro a Saldanha Sanches, falecido em Maio de 2010. Uma frase tão directa e desassombrada como as que o fiscalista usava quando denunciava o statu quo português.
Ao longo das cerca de 200 páginas de Transparência, Justiça, Liberdade: Em Memória de Saldanha Sanches, os autores debruçam-se sobre os temas que aquele fiscalista abordou na sua carreira.
O depoimento de Morais sobressalta pelo retrato virulento e directo que tira. Chamou-lhe Anatomia da Corrupção em Portugal e serviu-lhe para denunciar que "a promiscuidade entre poderosos interesses privados e gestão da coisa pública é a regra". O objectivo é apresentar o sistema como problema, mas a vantagem do livro em relação a outros está nos exemplos dados da forma como esse sistema funciona. "Os nossos deputados mais não são que marionetas nas mãos dos dirigentes partidários", acusa.
O autor chega assim à Comissão Parlamentar de Obras Públicas para tentar demonstrar como os "donos do regime", que na sua opinião são o "sector financeiro, a construção civil e os promotores imobiliários", controlam os negócios e o Estado.
O PÚBLICO pegou no exemplo da Comissão de Obras Públicas e foi tentar perceber se existiam de facto deputados ligados ao meio. Através do registo de interesses - que os deputados são obrigados legalmente a fornecer - encontrou alguns exemplos.
Jorge Costa, do grupo parlamentar do PSD, tem participações sociais numa empresa de construção civil e em duas do ramo do imobiliário. Numa destas últimas é presidente do conselho de administração.
Ao PÚBLICO fez questão de frisar que nenhuma destas teve, alguma vez, qualquer negócio com o Estado. "Se há actividade que é escrutinada, é pública, essa actividade é a política, seja não só em relação aos deputados, seja em relação aos membros do Governo", garante.
Depois de lembrar as leis que estão em vigor e que vigiam a conduta dos deputados, Jorge Costa lembra que a sua experiência no sector é necessária para o trabalho que faz. "Eu conhecer o sector não me torna parcial", assegura. E acrescenta que, levadas ao extremo, as questões colocadas por Morais afastariam parlamentares das áreas que dominam. "Levava a que só pudesse ir para estes sectores quem não conhecia nada deles."
O deputado socialista Mota Andrade alerta para o mesmo. Surge nos registos de interesse do Parlamento como gerente em empresas em que tem declaradas participações sociais. Numa sociedade de construções, compra e venda, e numa outra de mediação imobiliária: a Sociedade de Construções Rua Nova e a Predial Rua Nova.
Garante que, enquanto foi responsável, as empresas pouca ou nenhuma actividade de construção tiveram sequer: "O que fiz na a altura foi prédios para compra e venda", esclarece. E assegura estar actualmente afastado da gestão, acrescentando que nunca trabalhou com o Estado: "Actualmente nem têm actividade." E remata lembrando que a sua experiência na área também é uma vantagem: "Ou querem deputados profissionais ou querem deputados que saibam do que estão a falar", resume.
No registo de interesses de Adriano Rafael Moreira (PSD) surge o cargo de gerente da LousaConstroi, apresentada como empresa do ramo dos investimentos imobiliários. Garante que cumpriu todos os requisitos legais.
Sobre as acusações de Morais, o social-democrata garante que, no seu caso, "não se aplicam": "A empresa a que estive ligado até à tomada de posse como deputado não exerce actividade de construção civil nem de obras públicas. Faz compra e venda de património", explica, antes de acrescentar que funciona mais como uma "sociedade familiar" que serve para gerir o património familiar.
Assegura que, "ao nível dos deputados, o processo é da máxima transparência". E acredita que o regulamento acautela e previne perfeitamente casos que possam surgir de abuso. Algo que não acontece, avisa, para todos. "Os membros dos gabinetes dos membros do Governo, por exemplo, não têm este regime de transparência", afirma.
IN "PÚBLICO"
18/03/11
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