17/02/2011

ALMORRÓIDA SOCATEIRA


Economia já recebeu 
63 mil milhões para sobreviver

por Filipe Paiva Cardoso e Nuno Aguiar

BCE gastou 18 mil milhões só para aguentar juros portugueses. Mais um balão de oxigénio. 
Governo só não pede ajuda porque já está a recebê-la

Portugal está transformado num filho que, ao mesmo tempo que exige independência e autonomia para decidir os seus assuntos, não abdica da mesada. Sócrates diz, repete e sublinha: "Não precisamos de ajuda. Somos capazes de lidar com os nossos problemas sozinhos." Contudo, olhando para factos e números, a realidade não poderia estar mais longe desse discurso.

Considerando todos os apoios extraordinários que o Banco Central Europeu (BCE) pôs em marcha para Portugal desde Maio de 2010 - quando estalou a crise da dívida -, e juntando a estes valores as jogadas contabilísticas e as receitas não recorrentes que Teixeira dos Santos vai descobrindo, vamos já em mais de 63 mil milhões de apoio artificial ao tecido económico português. Se às ajudas internacionais juntássemos ainda as "ajudas" internas - por exemplo, os aumentos de impostos, que em 2010 permitiram que o Estado recolhesse mais 2,3 mil milhões do que em 2009 -, este número seria bem maior. "Nós, neste momento, já temos ajuda externa do BCE e do Eurossistema. É um facto perfeitamente óbvio", observou Teodora Cardoso, economista do Banco de Portugal, a 31 de Janeiro.

Os balões de oxigénio Os juros da dívida têm escalado para valores insustentáveis. No entanto, ninguém duvida que estariam em níveis bem mais elevados se não fosse a intervenção do BCE, que, desde Maio do ano passado, começou a comprar títulos de dívida para responder à crise dos periféricos. Segundo avançou ontem o Société Générale, o banco central já comprou 18 mil milhões de euros só em obrigações portuguesas, o que representa 17% do saldo vivo de obrigações do Tesouro.

Filipe Garcia, economista do IMF, considera "preocupante" esta dependência do BCE. Já Filipe Silva deixa avisos acerca da gravidade de uma futura interrupção do programa. "Sem a intervenção do BCE, os juros da dívida estariam a subir muito mais", afirma ao i o gestor do mercado de dívida do Banco Carregosa. "Se o BCE deixar de comprar, o risco de contagiar Espanha aumentará."

Com o BCE a ameaçar terminar em breve este programa, nas últimas semanas tem sido referida a possibilidade de o fundo europeu comprar dívida soberana. Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI, considera que, de uma forma ou de outra, o programa não pode terminar. "Dificilmente pode acabar. Se não for o BCE, terá de ser feito de outra forma."

Além desta táctica de ataque à crise delineada por Trichet, há outra que passa pelo financiamento do sistema bancário nacional. No final de Janeiro, os bancos portugueses contavam com mais de 40 mil milhões de euros emprestados em condições especiais pelo BCE. Sem estes empréstimos, o sistema financeiro português estaria a entrar em colapso - a crise matou o mercado interbancário para a banca portuguesa. E este dinheiro é o que tem não só servido para que os (poucos) empréstimos à economia real existam, como para ajudar o Estado - com a banca a comprar dívida pública ou a emprestar dinheiro ao governo.

Daqui saltamos para o mundo empresarial. Além da receita extraordinária, mas prevista, de 885 milhões de euros com a emissão de obrigações convertíveis da Galp, o governo descobriu no final de 2010 um trunfo de última hora: o fundo de pensões da Portugal Telecom, que não só se disponibilizou a comprar dívida para conter os juros, como prometeu ajudar mais este ano. A operadora deu 1,8 mil milhões de euros ao Estado no final de 2010 - 1,71 mil milhões em títulos de dívida pública -, ficando o Estado com as responsabilidades das reformas da PT. A este valor ainda se vão juntar mil milhões que a empresa vai dar ao Estado este ano e no próximo.

Ser ou Parecer? Da mesma forma que o governo já veio a público pedir ajuda externa - desejando apenas que esta não venha com o rótulo do FMI, pois deixaria o executivo mal visto -, a retórica interna do "sozinhos conseguimos" padece do mesmo mal. Por um lado, o governo sente-se insultado se alguém disser que Portugal precisa de ajuda, por outro, são já mais de 63 mil milhões de euros que o país recebeu em apoios para continuar a sobreviver. Mas o BCE já avisou: a torneira está a fechar.

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17/02/11

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