É possível reduzir 10%
dos gastos com saúde num ano
por Marta F. Reis
Bruxelas analisa Iniciativa Fair Health Care,
proposta por médicos do Porto
É possível reduzir os gastos com saúde em 10% num espaço de um ano e garantir a sustentabilidade dos serviços de saúde a longo prazo, mesmo com o envelhecimento da população. A garantia é de um grupo de médicos portugueses e implica pôr em marcha um tratamento à saúde europeia que dizem ser "de bom senso". A receita já foi submetida a Bruxelas e esperam debatê-la em breve com eurodeputados mas também com as autoridades nacionais. Joaquim Sá Couto e António Lúcio Baptista, directores da iniciativa Fair Cost Health Care, querem tornar as boas práticas na gestão em saúde, perdidas na literatura científica, em recomendações a nível europeu. Resolver o paradoxo das longas listas de espera num sistema em que os blocos de cirurgia funcionam a meio gás ou diminuir os gastos provocados pela sobreposição de medicamentos são algumas das propostas.
No centro da iniciativa está uma mudança de abordagem aos cuidados de saúde, explicam os responsáveis. "Não podemos continuar a encarar a saúde como uma linha de montagem", diz António Lúcio Baptista. A proposta, que a ser aceite será o primeiro contributo de cidadãos portugueses na saúde europeia, dita que cada doente deverá ser encarado como um projecto, com o acompanhamento individualizado de gestores que verificam a qualidade do tratamento mas também gerem procedimentos e intervenções em articulação com os restantes profissionais de saúde. "A experiência que existe da gestão de projectos na indústria farmacêutica ou construção aponta para uma poupança entre 20% a 30%", nota Sá Couto.
Na saúde, explicam, as contas são fáceis de fazer. "Operar varizes numa doente de 18 anos saudável não é o mesmo que operar numa diabética de 70 anos. O que temos hoje é um encargo médio, que às vezes chega e outras não."
Nas prescrições de medicamentos vêem margem para cortes consideráveis: "Nos EUA gasta-se tanto a tratar complicações geradas pela medicação, ou polimedicação, como em medicamentos", frisa Sá Couto, problema com que se depara nas consultas diárias. "Muitas vezes os doentes tomam medicação repetida ou produtos de ervanárias e suplementos que anulam o efeito da terapêutica." A solução, neste caso seria uma nova classe profissional, os consultores farmacêuticos. "Nas farmácias e nas unidades de saúde fariam a revisão de toda a medicação, caso a caso. Com os genéricos, o problema tende a aumentar, uma vez que há vários nomes comerciais para o mesmo." Outra sugestão é criar um site europeu onde o doente possa submeter a medicação e ver se existem efeitos nocivos conhecidos, seguindo o exemplo do norte-americano www.drugs.com.
Mais inovação Este mês, um relatório da consultora PricewaterhouseCoopers revelou que os EUA estão a perder terreno para as economias emergentes em matéria de inovação em saúde, vantagem alimentada por novas tecnologias low-cost. Na iniciativa Fair Cost Health Care, o princípio não é o low-cost mas o preço justo e a renovação. "O que vemos em Portugal é que as velhas tecnologias vão permanecendo no sistema mesmo quando já existem novas." Em termos práticos, e para favorecer a inovação local, propõem a abolição de custos administrativos com licenças, agências de regulação e outros encargos por um período de três anos. A almofada pressupõe contudo a transparência do sistema, com a divulgação de resultados para se alinhar a concorrência com apostas que sejam de facto uma mais-valia para os doentes.
"O que fizemos foi reunir a melhor produção científica sobre gestão dos serviços de saúde publicada nos últimos dez anos", defende Sá Couto. O médico cirurgião acredita que a conversão dos sistemas de saúde pode fazer-se em três a cinco anos, com ganhos imediatos. "Sabemos que em Portugal ainda há grandes listas de espera. Quantas vezes os blocos operatórios funcionam a 50% porque o doente não apareceu ou tem uma gripe?" Para o especialista, que começou a investigar as boas práticas em gestão de saúde num MBA na Universidade de Edimburgo, a solução é mais uma vez simples: "A cirurgia deve ser marcada logo que se verifica a sua necessidade, seja daí por seis meses ou dois anos. Marca-se conforme o interesse do doente mas também da unidade e não com uma ou duas semana de antecedência depois de se passar pela lista de espera", defende. "Se puder marcar todas as cirurgias a varizes num determinado período, ocupo o bloco, concentro as encomendas de material e os recursos necessários."
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01/02/11
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