03/02/2011

ALBERTO GONÇALVES

ALBERTO GONÇALVES

As estrelas de Belém

CAVACO SILVA. O facto de Mário Soares não possuir autoridade moral para chamar rancoroso a Cavaco não impede que, no discurso de vitória, Cavaco o tenha sido. É verdade que o homem passou a campanha sob ataques mais ou menos abjectos de quatro dos cinco adversários (Nobre moderou-se). Mas essas contas não se saldam num momento em que a etiqueta pede união, fraternidade e maravilhas assim. A nota máxima para a franqueza implica, no caso, nota mínima para o bom senso: mesmo distantes do drama que meio mundo se apressou a notar, as declarações do presidente reeleito no CCB foram um pequeno embaraço. Fora isso, Cavaco realizou a única coisa parecida com uma campanha presidencial, obteve a fatídica reeleição e subiu a percentagem face a 2006. Os 500 mil votos perdidos pelo caminho retiram-lhe a mesma legitimidade que os 600 mil perdidos por Jorge Sampaio entre 1996 e 2001, ou seja, nenhuma. Sampaio, se bem se recordam, enxotou sumariamente um governo maioritário.
MANUEL ALEGRE. Os extravagantes apoios destruíram-lhe metade das ambições. A presunção natural encarregou-se do resto. Insuflado com a "legitimidade" da esquerda e o pior republicanismo, Alegre achou que um desígnio celestial o conduziria à liderança da pátria e o pouparia às agruras terrenas. Não conduziu nem poupou. O triste e contraditório vazio da candidatura, que Alegre imaginou preencher com a sua mera existência, foi excessivamente pesado. Agora junta-se a Soares no rol dos únicos falhanços presidenciais do PS, com a agravante de o falhanço dele não ser episódico e com a atenuante do apoio do PS não ter sido real. Na noite de Domingo, porém, controlou (parcialmente) o lirismo e saiu da ribalta com a dignidade possível.
FERNANDO NOBRE. Com vã discrição, Soares inventou a candidatura de Nobre (ia escrever de son AMI, mas há limites para a miséria dos trocadilhos). O objectivo era, naturalmente, prejudicar as ambições de Alegre. O meio foi uma versão amplificada do tradicional "nojo à política" às vezes utilizado por Cavaco, acrescido de sentimentalismo "humanitário" e uma deliciosa inépcia. Até certo ponto, resultou. Durante uns tempos, Nobre pode exibir 600 mil votos convencido de que é a voz dos "descontentes" e, se já não o abriu, Soares pode abrir o champanhe. A tarefa de ambos está terminada, embora só um deles o saiba.
FRANCISCO LOPES. Não vale a pena lembrar que este senhor habita uma dimensão paralela. É do PCP, repete a cantilena do PCP, dirige-se aos eleitores do PCP e, inevitavelmente, consegue a votação habitual do PCP. O mundo exterior não lhe diz nada e, em contrapartida, não lhe liga nenhuma. Todos saímos a ganhar.
JOSÉ MANUEL COELHO. Foi tratado como palhaço, pobre e simpático, pelos especialistas e pelos cidadãos. Foi excluído dos debates televisivos sem motivo aparente e em prol do dr. Defensor, outra irrelevância que não é pobre nem simpática. Foi alvo da má-criação de Judite de Sousa, jornalista de renome internacional. Apesar disso, ou por causa disso, Coelho ultrapassou os 4% nas urnas, um prémio extraordinário para a insignificância da retórica, um prémio justo se comparado às restantes candidaturas. Se a percentagem nacional não servirá de muito, a percentagem na Madeira talvez lhe garanta uma espécie de futuro regional. Ou um emprego no PS.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/01/11

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