08/01/2011

RAFAEL BARBOSA


Espelho meu...

1.Já tínhamos o campeão antifascista, depois apareceu o da pobreza, agora temos o campeão da honestidade. Que é como quem diz que a campanha presidencial em curso se arrisca a ser citada apenas por acessos de narcisismo - no breve rodapé a que terá direito nos futuros livros de História.
O primeiro momento foi protagonizado por Manuel Alegre, candidato do PS e do BE, que criticou Cavaco Silva, o candidato do PSD e do PP, por este ter ido à PIDE atestar o seu bom comportamento. Ao contrário de Alegre, que não deixa passar uma oportunidade para lembrar que foi um resistente. Diz-me, espelho meu, há alguém mais antifascista do que eu?
O segundo foi de Fernando Nobre, candidato da AMI, que querendo à força mostrar que é o grande paladino da luta contra a pobreza, se virou para Francisco Lopes, o candidato do PCP, e lhe descreveu a cena da criança que corria atrás da galinha com o objectivo de lhe roubar o pedaço de pão que levava no bico. Diz-me, espelho meu, há alguém mais amigo dos pobres do que eu?
O terceiro foi da autoria de Cavaco Silva, zangado com as insinuações de Defensor Moura, candidato de Viana do Castelo, sobre as negociatas do BPN, garantindo que está para nascer o português mais sério do que ele. Aliás, e para que não haja dúvidas, para se ser mais honesto do que Cavaco seria necessário nascer duas vezes. Diz-me, espelho meu, há alguém mais honesto do que eu?
E a isto se resume a campanha para as eleições presidenciais. Ninguém está interessado nos candidatos, nem no que têm para dizer, nem nas eleições a que vão concorrer. E os candidatos aparentemente ainda não repararam, tão fascinados andam a olhar para o espelho.
2. Há duas formas de olhar para o folhetim do salário mínimo nacional. Se o fizermos por um dos lados do espelho, poderemos anunciar, como faz o Governo, a boa-nova de um aumento de 475 para 485 euros. Sempre são 10 euros, ou seja, 45 cêntimos por cada dia de trabalho [contas feitas a oito horas de jornada em 22 dias úteis].
Mas podemos olhar pelo outro lado e perceber que, afinal, o que há é uma diminuição do salário mínimo nacional, de 500 para 485 euros. Porque já estava decidido, assinado e anunciado há mais de um ano que seriam 500. O que Governo decidiu foi, portanto, um corte de 70 cêntimos por cada dia de trabalho.
Mas há ainda uma terceira forma de olhar para este folhetim. Faz-se uma conta igualmente simples, dividir 485 euros por cada um dos 30 dias do mês, dá pouco mais do que 16 euros para sobreviver. Para que todos nos lembremos que o sinónimo de salário mínimo é pobreza máxima. 

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/01/11

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