As angústias do cidadão comum
Anda o mundo todo em alvoroço: é a crise que não se vai, a China que não revaloriza a moeda, a América que não se conforma em perder a liderança do mundo, a Nato que não sabe como sair do Afeganistão
Anda o mundo todo em alvoroço: é a crise que não se vai, a China que não revaloriza a moeda, a América que não se conforma em perder a liderança do mundo, a NATO que não sabe como sair do Afeganistão, a Irlanda que caiu nas mãos do FMI (sem perceber bem como, nem porquê!), a Europa desunida e sem estratégia, é Portugal à deriva, os bancos sem dinheiro, as empresas sem crédito, os trabalhadores sem emprego, os de Wall Street ainda a especular e a receber os seus bónus, e as pessoas comuns da Main Street a começar a perder a esperança.
Os comentadores políticos e económicos, os que escrevem nos jornais e falam na rádio e na TV, e fazem a opinião dominante, vão apontando erros aqui e acolá, acusando este ou aquele de não ter tomado as medidas certas no momento certo, analisam, estudam e prevêem; mas a verdade é que não estão a acertar com a solução do problema, e não apontam os caminhos certeiros para a saída da crise. A receita mais ouvida nesses comentários é a de que temos de retomar o crescimento à custa do aumento da produtividade, do aumento das exportações, da produção de bens transaccionáveis, etc.. Mas isto é o mesmo que dizer a um doente: "O senhor para resolver o problema da sua grave doença, tem mesmo é de se curar e voltar a ter saúde!".
Ora não é mais do que isto, que é uma verdade do senhor de La Palice, aquilo que nos diz o economista comum ou o comentador político. E o próprio discurso dos governantes não anda longe destas trivialidades, e não lhes acrescenta muito. E, uns porque não sabem, outros porque não querem, e outros porque não podem, ninguém se adianta para falar a verdade.
Entretanto, o cidadão comum, habituado a ouvir falar de crises mas sem as sentir na pele, já se começou a aperceber que, desta vez, algo vai "mesmo" mal, e que, talvez, não lhe estejam a dizer toda a verdade. E já vai fazendo contas à vida. Vê o seu emprego em risco, ameaçadas as pensões e os subsídios que julgava garantidos para a vida, vê os filhos, já homens, ainda a derriçar do orçamento dos pais. Vai perdendo a confiança nos bancos, e aquilo que parecia muito seguro já não lhe parece tanto, e até já lhe ocorreu a ideia de enterrar o dinheiro numa panela de ferro a um canto do quintal. Começa a desconfiar de tudo e de todos. E já olha com outros olhos para uns bocaditos de terra que ainda tem lá nas berças, quem sabe se ainda não vão servir para alguma coisa!
E se ainda sente força, ou porque não atingiu ou atingiu há pouco tempo a barreira dos "enta", até lhe passa pela cabeça a ideia de emigrar. Mas os caminhos do mundo estão a fechar-se, e quando pensa em Angola ou no Brasil só vê insegurança, desigualdades e corrupção. E o Eldorado de outras épocas, para onde se ia à procura da fortuna, só se for noutro planeta!
Quando a crise desce à rua, é quando ela adquire pela primeira vez, verdadeiramente, o estatuto de "Crise". Estamos no início duma grande descida que vai estar marcada pelo empobrecimento colectivo, pela escassez de recursos, pela necessidade de ter de apertar o cinto. A história mostra-nos que nestes períodos de "vacas magras" existem dois caminhos para fazer a descida, e qualquer deles se assemelha a uma "via dolorosa": um que é a via da inflação (como diz Jeff Rubin) outro que é a via da deflação (como diz Nicole Foss), ou seja, ou faltam as mercadorias, no primeiro caso, ou falta o dinheiro para as comprar, no segundo. São os governantes, sobretudo os que fixam o preço do dinheiro e podem imprimir notas, que têm capacidade de fazer as escolhas, e mostrar-nos o caminho. Pois se eles não escolherem nenhuma delas, será tudo pior, e essa via sacra da descida ao Inferno será feita aos trambolhões e ao atropelo das regras mais elementares da civilidade.
Quando a receita que nos impõem é a cura de emagrecimento, pede-se rigor e qualidade à governação. Se o dinheiro escasseia e não chega para tudo há que definir prioridades e saber repartir o esforço com justiça e equidade. Porque de justiça e equidade entende o cidadão comum, e, se for esse o caso, aceitará os sacrifícios com resignação.
Presidente do Grupo Marktest, membro
da ASPO Portugal
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/01/11
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