De Zé a D. José
Num momento de enorme orgulho nacional pela entronização de Mourinho como Rei dos Treinadores, após dez anos de trabalho alucinante, apenas uma questão fica em aberto para o futuro dele, independentemente do número de títulos e conquistas que continuará a alcançar neste século.
Oreconhecimento formal do mundo do futebol marca o fim do profissional popular, insolente, aparentemente inconsciente, cujas irreverências incomodavam e distraíam o “establishment” antes de averbar a estocada e dela se vangloriar sem ponta de humildade. A coroa fá-lo ascender de Zé a D. José, ao jeito da moderna onda libertária que vem transformando plebeias em princesas, para grande irritação das principais casas reais da Europa.
Tendo-se juntado despudoradamente à “France Football” ao fim de dez anos a tentar desprestigiar a Bola de Ouro, a FIFA estende à frente de Mourinho uma longa passadeira vermelha rumo à galeria dos indiscutíveis, aceitando-o como “Especial”, mas seguramente na expectativa de que o título nobiliárquico lhe dome a tendência para a profanação e para o desacato institucional.
Éassim Blatter, normalmente junta-se aos que não consegue vergar, mas sempre de pé atrás. Aos olhos da FIFA, Mourinho está para os treinadores como Maradona esteve para os jogadores, salvaguardando que o melhor jogador de sempre pegava mais pesado e não apenas nos “mind games”.
Neste ano de consagração, já em Madrid, além dos títulos que lhe renderam o prémio, o treinador português deixou muitos nervos em franja com pelo menos quatro atitudes marginais ao “futebolisticamente correto”. A simulação forçada de expulsões na Liga dos Campeões, punida com castigo pela puritana UEFA, o desrespeito profissional explícito por outros treinadores da Liga espanhola, a diatribe interna sobre o posicionamento do Real Madrid em relação aos árbitros e, finalmente, a ostensiva aleivosia para com o banco do Villarreal, no termo de um jogo de enorme tensão.
Destes episódios, amiúde confundidos com arrogância, não vem grande mal, pois não passam de incontinentes assomos de vaidade. No entanto, acaba por ser mais penalizado por ter dificuldade em assumir tais catilinárias, apresentando desculpas infantis ou descaradamente mentirosas. Nesta matéria, iniciou 2011 mais ao jeito do Zé de Alhos Vedros, do que de D. José do Mundo.
Com a coroa real, chega o tempo de deixar de pensar como líder conspirativo de emblemas perseguidos e apoucados, sempre a desafiar os poderosos e tentando vergá-los com a esperteza dos iluminados.
Nos primeiros seis meses em Espanha, Mourinho tem vogado mais na inspiração contínua (com transpiração q.b.) de Cristiano Ronaldo, do que pela consistência do seu projeto coletivo, o que justifica o deslize da incursão pelas queixas de arbitragem, autênticas confissões de fraqueza e insegurança, nada consentâneas com a linhagem e tradição do clube.
O que Madrid espera dele – doravante, ainda mais – é que comande como um monarca e deixe de conjurar como um guerrilheiro. Com a certeza de que será ainda melhor treinador e melhor pessoa.
IN "RECORD"
12/01/11
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