21/01/2011

CARLOS MARQUES DE ALMEIDA


Uma crise de campanha


Está na mão dos portugueses evitar o suplício da segunda volta nas presidenciais. Em cenário de crise financeira e quando o Governo tenta vender pelo mundo os anéis que restam, a campanha presidencial não tem ideias, não tem compostura e tudo se resume a um aglomerado de intenções ruidosas e grosseiras.

Lenine tomou conta do discurso eleitoral com a constante desqualificação moral e política do adversário.

Manuel Alegre arrasta pelo País as promessas de um Estado Social eterno como bastião da pureza de uma ideologia perdida. Cavaco Silva passeia por Portugal as promessas de uma estabilidade política transformada no último refúgio de uma ideologia cansada. Cavaco Silva e Manuel Alegre são as duas faces de um argumento de ficção que vai preenchendo penosamente a campanha eleitoral. Com as eleições presidenciais o País vive uma suspensão da realidade política. Tudo o que é dito e feito cairá no esquecimento após o sufrágio de Janeiro e o País retomará, não a pequena rotina política, mas o espectro renovado de uma crise financeira que não tem medo das palavras. O que fica da campanha são apenas divisões e ressentimentos políticos.

Se a política tem horror ao vazio, a demagogia não conhece a metafísica do ridículo. Veja-se o caso do FMI. A esquerda presidencial acusa a direita presidencial de não ter coragem para exterminar o Estado Social, logo o recurso ao FMI é o instrumento de uma ofensiva neoliberal para acabar com os direitos sociais com impunidade e sem custos políticos. Quem combate a intervenção do FMI é a esquerda patriota que se levanta contra a traição de uma direita refém do grande capital financeiro internacional. Esta campanha presidencial é a primeira eleição pós-política em Portugal - é uma guerra sem política em que as palavras são ruínas de todas as ideologias mortas.

A figura do Presidente da República é um referencial na arquitectura política portuguesa. O Presidente tem o poder do veto e da palavra, tem o dever de uma ideia de País, tem a responsabilidade da unidade do Estado e é a garantia do regular funcionamento das instituições. Com Portugal endividado para o tempo de uma geração, o Presidente da República é ainda mais a personificação de um certo espírito do regime.

E quais devem ser as perspectivas para o regime? Controlar a dependência do crédito externo, evitar a ilusão dos modelos de desenvolvimento generalistas, identificar um modo nacional de progresso, procurar o equilíbrio das finanças públicas até ao objectivo do superavit, crescer economicamente para poder proporcionar riqueza aos portugueses. Ambição? Mas esta é a única maneira de Portugal evitar a miséria económica e política que vicia o regime. Nas eleições presidenciais os portugueses devem votar com um sorriso a recortar os dentes de aço.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/01/11

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