As festas
Nestes tempos de empobrecimento, mais solidariedade e combate às chagas sociais são um imperativo moral.
O simbolismo do nascimento, do fim de um ano e do princípio de outro, surge sempre envolto numa certa lógica de esperança, independentemente da dimensão – religiosa ou não – que se empreste a esta época. E é essa esperança que hoje falha, com todos os nossos valores em crise profunda. Nestes dias, somos obrigados a mergulhar no predomínio do económico, em deficits; ‘yelds’; ‘credit default swaps’ (CDS), deflação, dívida soberana e sacrifícios. Estamos transformados num mero elemento económico, reduzidos a entidades abstractas, máquinas de produção sem carne e nervos, conjunto abstracto de pessoas que têm de produzir. São as consequências do modelo vigente de uma desresponsabilização mais profunda.
A esquizofrenia institucional campeia e não há quem não experimente uma sensação de amargura e de angústia perante a indefinição do que nos espera e que, seguramente, não pode ser nada de bom, nem a curto nem a médio prazo. É que não se abre um admirável mundo novo com a probabilidade de destruição de um modelo que apontava para a justiça humana possível, mas valha a verdade que muito se fez para que se chegasse aqui e quase nada para o evitar, quando o desastre já se via e não apenas se adivinhava. Quanta irresponsabilidade dos que afirmaram que assim se preparava o futuro!...
A verdade é que o Futuro que se antevê faz-nos ter saudades de um passado recente, mas sem os excessos que nos levaram ao paradigma do Homem consumidor.
Mas esta época das Festas – Natal e Ano Novo – pode ser uma época ainda mais dura para alguns, aqueles que nada têm para festejar: para muitos dos que estão sós, a solidão acentua-se e para os que pouco ou nada têm, acentuam-se sentimentos de desigualdade e de injustiça, com excepções que nos fazem corar.
Nestes tempos de empobrecimento e retrocesso, mais solidariedade e combate às chagas sociais transformam-se num imperativo moral para cada um de nós, em que não são aceitáveis omissões ou quaisquer desculpas.
Que ao menos se venha a ganhar colectivamente em consistência, estruturação social e desenvolvimento sustentado e nem tudo terá sido perdido. Dito de outra forma, ainda podemos vir a ter mais com menos e a exibição do ter (que tantos arruinou) pode vir a ser substituída pelo ser. Assim, façamos as festas que importam.
ADVOGADA
IN"CORREIO DA MANHÃ"
23/12/10
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