Empresas públicas ganham milhões
com mercados e não dão ao Estado
por Filipe Paiva Cardoso
Tribunal conclui que o governo tem argumentos
para demitir gestores públicos de CP, Metro e Refer
O Tribunal de Contas (TC) identificou várias "situações de incumprimento" na gestão financeira das empresas públicas ao nível do exigido pelo Regime da Tesouraria do Estado (RTE) - que determina que os investimentos financeiros do sector empresarial do Estado devem estar no Tesouro. A situação é especialmente crítica no sector dos transportes e das infra-estruturas.
Nesse sector, apenas 5,9% das aplicações financeiras estão em contas do Tesouro, no Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP), ao contrário do que o RTE obriga. Este tipo de incumprimento, lembra o TC, "passou a integrar as situações susceptíveis de demissão dos gestores públicos" este ano.
CP, Metro de Lisboa e Rede Ferroviária Nacional (Refer) são as empresas mais visadas pelo TC, sobretudo a CP. "As situações de incumprimento neste sector são relevantes porque resultam da não implementação dos procedimentos operacionais legalmente exigidos [...] em resultado da posição assumida pela gestão, em especial da CP, de não pretender cumprir a determinação legal relativa à unidade da tesouraria do Estado", diz o TC.
A regra Segundo foi estipulado desde 2005, através das diferentes leis do Orçamento, as empresas públicas estão sujeitas à unidade da tesouraria do Estado, pelo que devem ter as suas aplicações em contas no Tesouro. Conforme explica o TC, "a centralização dos fundos na tesouraria do Estado tem como finalidade aumentar a eficiência da administração financeira do Estado e gerar ganhos financeiros, ao possibilitar o financiamento do Estado com fundos de serviços públicos que, de outro modo, estariam aplicados no sistema bancário". Este dinheiro podia, por exemplo, comprar dívida pública.
Mas poucos cumprem esta lei, segundo o Tribunal de Contas. O relatório desta auditoria identificou num universo de 50 empresas públicas não financeiras, a existência de 643 contas bancárias, das quais 67% estavam fora do Tesouro. Nesse universo de contas, foram contabilizados 315,3 milhões em depósitos e aplicações financeiras fora do Tesouro - 259 milhões de empresas de transportes e 51 milhões do sector da saúde. E, apesar destes investimentos terem gerado retorno, as empresas, ao contrário do estipulado pela legislação, não entregaram os lucros ao Estado. O TC detalha: "O rendimento líquido obtido por entidades públicas empresariais com depósitos e aplicações financeiras fora do Tesouro ascendeu a 434,5 mil euros e 2,7 milhões de euros, respectivamente, tendo-se apurado que nenhuma das entidades em causa procedeu à atempada entrega dos valores auferidos ao Estado, como determina a Lei do Orçamento do Estado para 2009."
A CP foi a melhor/pior de todas. Melhor porque conseguiu rendimentos de 2 milhões em aplicações financeiras. Pior porque não os deu ao Estado.
No total, o TC identificou 40 empresas públicas a ganhar dinheiro com investimentos à margem do Tesouro, que não devolveram os respectivos ganhos ao Estado. Concluído isto, o Tribunal recomenda às Finanças que, "face ao disposto na Lei do OE, determine a imediata entrega ao Estado dos rendimentos obtidos (3 milhões) com aplicações financeiras fora do Tesouro pelas entidades públicas".
E a instituição de Oliveira Martins vai mesmo mais longe, não hesitando em apontar culpados: a auditoria confirma "a ilação de que as situações de incumprimento resultam essencialmente do comportamento dos órgãos de gestão das entidades que, desta forma, revelam, em especial nos Transportes e Gestão de Infra-estruturas, não pretenderem sujeitar-se ao RTE".
Em sede de contraditório, as empresas visadas defendem-se, justificando a "fuga" ao Tesouro com o intuito de realizar "operações que não são disponibilizadas pelo IGCP ou que resultam de aspectos particulares da sua gestão financeira". Mas a desculpa não pega.
Ainda segundo o TC, "do confronto" dos contraditórios "com os elementos fornecidos pelo IGCP, verifica-se a desactualização de muitos dos argumentos utilizados pelas entidades públicas empresariais para justificar as situações de incumprimento, na medida em que os serviços indicados em falta já são prestados pelo referido Instituto". Também as Obras Públicas responderam ao TC, salientando que "serão emitidas orientações específicas às entidades públicas empresariais sob a sua tutela para procederam à centralização e à manutenção dos fundos no Tesouro, de modo a fazer-se cumprir o disposto na Lei do OE", revela a auditoria.
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28/12/10
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