30/09/2010

MANUEL QUEIROZ





Ultrapassar ou não António Guterres

Sócrates ganhou as eleições há um ano. Foi o último socialista a ser eleito na Europa. Será capaz de se reinventar outra vez?

Há exactamente um ano, José Sócrates ganhava as eleições mas sem a maioria absoluta sobre a qual tinha forjado no mandato anterior um governo determinado e que acabou por ser minado não só por uma ministra da Educação que se convenceu de que o mundo girava à volta dela, mas também pela crise financeira mundial que tornou claro que era preciso mudar de política.

Um ano depois, o resultado não é bom: o país está pior, o governo é fraco e o primeiro- -ministro avisa que o governo se demitirá se não tiver Orçamento para 2011. Sobem o desemprego e os juros da dívida soberana, baixam as expectativas dos portugueses e dos mercados. Houve muitas decisões que não foram bem aceites até dentro do próprio partido do governo [faça Zoom nas páginas 14 a 17] e explica-se que uma Europa com grande maioria de governos de direita não permite respostas mais à esquerda.

Mas José Sócrates foi o último socialista a ser eleito na Europa - entretanto já os trabalhistas ingleses foram apeados do poder, enquanto os sociais- -democratas suecos viram ser reeleito um governo de direita e na Itália, na França, até na Alemanha e na Holanda, as perspectivas não são brilhantes para os partidos e coligações sociais-democratas. Faltam ideias - e caras que as protagonizem.

António Guterres foi até hoje o socialista que mais tempo foi primeiro-ministro (sete anos, entre 1995 e 2002) e José Sócrates, com a primeira maioria absoluta que o PS teve na sua história, parecia poder ultrapassá-lo. Hoje isso não é nada certo, porque ninguém garante que o governo consiga chegar ao fim da legislatura e porque ainda é mais arriscado dizer que poderá vencer umas próximas eleições. Com 53 anos acabados de fazer, Sócrates tem ainda meia vida política pela frente, mas esse desafio de ultrapassar Guterres assume-se hoje como bem difícil. Os tempos são de crise, o momento é de cortar no Estado social, apesar de se dizer que não se aceita cortes na Saúde e na Educação. A erosão da imagem de Sócrates é diária, o governo está longe de estar coeso e unido, as suas políticas não fazem a unanimidade e chegam a ser ditadas directamente de Bruxelas, ou mesmo de Berlim. As eleições presidenciais também não ajudam, com um partido dividido em relação a um candidato (Manuel Alegre) que não agrada a muitos.

O que parece é que o país e Sócrates se afastaram irremediavelmente e que o primeiro- -ministro perdeu a ligação à realidade desde que Maria de Lurdes Rodrigues lhe começou a dar cabo da popularidade. O seu optimismo soa a falsidade perante os problemas do país, aquilo que era visto como determinação tornou-se teimosia. As sondagens até nem são demasiado más para aquilo que o país tem tido de aguentar em desemprego e falta de perspectivas.

José Sócrates ultrapassou os problemas da licenciatura, do Freeport, da Face Oculta. Tem sete vidas e um evidente gosto pelo poder, pela decisão, o que era uma das características que lhe permitiam jogar nos mesmos tabuleiros com empresários ou sindicatos. Será capaz de se reinventar depois destes anos terríveis e conseguir chegar a um entendimento que lhe garanta a continuidade no cadeirão do poder? Parece tão difícil de acontecer quanto outra maioria absoluta como a que teve em 2005. De momento, a esquerda não tem um grande reservatório de ideias para responder à crise. A ideologia nunca foi o seu forte, a não ser como instrumento oportunista para ter votos. Nesse aspecto, é talvez o socialista europeu que mais facilmente pode reinventar a terceira via depois de Ed Miliband decretar a morte do "New Labour". 

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27/09/10

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