SEM EMOÇÃO
Não é com euforia que se fazem as notícias deste Campeonato Mundial de Futebol. Ao longe, na África do Sul, também não sinto uma vibração suficiente que me retenha ali, presa ao ecrã para tudo ver. Por estes dias, dou comigo a desligar a TV para ir fazer outra coisa. Porque, na verdade, há uma vida que continua paralelamente a um campeonato que, até agora, ainda não funcionou como aquela espécie de cola do mundo que nos liga inexplicadamente uns aos outros.
Ontem, no rescaldo do jogo Portugal-Brasil, a palavra que mais sobressaía nos jornais era “Espanha”. É natural que seja para o próximo jogo que se direccionem todas as expectativas, mas será que o encontro de ‘irmãos’ de sexta-feira valeu tão pouco? No Brasil, a imprensa é duríssima para com os seus jogadores. Ontem, o jornal “A Folha de São Paulo” fazia esta manchete: “Cadê a bola?”. Também Pélé juntou a sua voz à dos críticos. Por cá, o discurso é brando, embora o seleccionador pareça muito entusiasmado. Carlos Queiróz, ainda no relvado do estádio de Durban, disse que os seus jogadores saiam desta fase de “smoking”. Será, decerto, exagerada a tirada, mas há que reconhecer que houve uma evolução desde o pouco táctico desafio com a Costa do Marfim. Vamos ver como se comportarão os portugueses no embate de terça-feira contra a campeã europeia de futebol.
Em Espanha, o registo mediático é de contenção. Nos sites dos jornais espanhóis destaca-se a fotografia de Cristiano Ronaldo que terá a difícil tarefa de golear a equipa do país onde trabalha… Os espanhóis dificilmente aprovarão uma derrota, tendo como figura principal o seu ídolo… Vamos ver como será o marcador… Enquanto não chega o dia do jogo, a imprensa do país vizinho vai gerindo expectativas. O periódico “El Mundo” afirmava ontem que 'na próxima estação estará Cristiano Ronaldo à frente de um Portugal que não sofreu um só golo'. O capitão da equipa portuguesa tenta a tarefa impossível: descontrair. Na sexta-feira afirmava aos jornalistas que a sua equipa 'está confiante e a crescer' e que, 'a partir de agora, tud o é possível' no Mundial de 2010.
Para além dos jogos, um campeonato de futebol vale também pela mediatização que suscita sobre o país que acolhe este evento. Nos media têm sobressaído muitas reportagens que falam da Africa do Sul como um país dobrado aos números assustadores da Sida. Ontem, no facebook, Rita Marrafa de Carvalho, a jornalista da RTP que, por estes dias, nos conta ‘estórias” à volta do Mundial, escrevia isto: “As casas de banho, no estádio, têm caixas de preservativos gratuitos. Quilos de pacotes. Cheguei, chocada, ao carro de
exteriores. ‘A casa de banho está cheia de preservativos!!!’. O nosso colega de Moçambique perguntou.. ‘Usados?’ Foi o momento alto da manhã. Pelo menos, para mim...” Na verdade, isto de um campeonato de futebol é muito mais do que um conjunto de jogos. Há uma parte interessante: a oportunidade de fazer interessantes roteiros turísticos, a possibilidade de conhecer outras gentes e outras culturas… Mas há também um lado muito decadente que estes momentos também incorporam: os excessos de álcool e um clima de descontrolada euforia onde pode valer tudo…
Volto novamente à Rita Marrafa de Carvalho, desta vez ao seu blogue “Mundial à parte” e é esta história que me prende: “(…) Tem 18 meses e não chegará aos 20 anos. É seropositiva. Sento-me no chão do refeitório e correm três, desengonçados, para o meu colo. Um em cada perna, enfiados no ângulo do ombro e do braço. O da direita adormeceu ali... sujo de arroz e carne, tombou nos meus braços de sono. O outro mexe-me nos óculos, curioso. Ao fundo, Amigo arrasta-se de quatro com os seus 6 ou 8 meses. Ninguém sabe muito bem... A mãe deu-lhe o nome de Amigo e deixou o Amigo na maternidade. Pequeno, sozinho e infectado com HIV. Amigo saiu da sala de partos... para aqui. Falta-lhes tudo. Saúde e mimo. E aqui, fazem o que podem.” Tudo isto se passa na Africa do Sul, o país que parece alegre, quando olhado a partir de certas peças de TV. Esta história tem como título “Quando nada faz sentido”. Acho que percebo bem o que a jornalista diz.
in 'Correio do Minho'27-06-2010
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