02/06/2010

FRANCISCO MOITA FLORES






A crise

A nossa própria liberdade será cada vez mais estrangulada. Ao serviço de quem? Não sei


Quando a crise nos atinge mais forte, quem é atingido logo em primeira instância são os serviços de polícia e de segurança. Congelam-se as carreiras, promoções e ordenados. Congela-se tudo aquilo que são condições que atingem exactamente os funcionários de polícia. Esta capacidade de congelar, de retrair investimento, desenvolvimento, emprego, riqueza, não é passível de ser aplicada aos movimentos sociais sem que daí não resultem graves mazelas.

O talento de quem decide não é suficiente para mandar abaixo os assaltos e fazer diminuir o crime. Por outras palavras, medidas de constrangimento financeiro sem terem em conta as previsíveis conflitualidades daí decorrentes são mais duras e injustas do que todas as injustiças já cometidas. É uma pena que o governo não congele assaltos, homicídios, raptos, violações e actividades terroristas. Este é o tempo em que o crime descola e cresce e a polícia se retrai no que respeita à disponibilidade de meios, desmotivação e capacidade de poder reagir de forma mais determinada àquilo que se espera em alturas de crise: o aumento da criminalidade. Sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde se faz sentir com mais intensidade o desemprego, a exclusão social, as situações mais duras desenvolvidas pela crise.

Ninguém duvide de que o crime se vai multiplicar, sobretudo nos assaltos a residências, pessoas e estabelecimentos. É sempre assim. Cada vez que uma crise desta dimensão se abate sobre determinada sociedade. Veja-se Grécia e Espanha, onde não aumentam apenas o protesto social e a contestação política mas onde paralelamente se desencadearam actividades criminosas violentas que seguramente se vão reflectir nas estatísticas do crime. Não existe razão alguma para pensarmos que seja de outra forma. Daí que deveria haver da parte do governo que lança estes programas duríssimos de contenção da despesa um olhar mais tolerante para as condições profissionais, sociais e operacionais de actuação da polícia. É que se podem afectar verbas, pode-se cortar nas autarquias, aliás como sempre os bobos da festa, pode-se cortar nos vencimentos dos políticos mas, de certa forma, cortar na segurança é o mesmo que cortar na liberdade. Não existe liberdade sem segurança. E não tenho dúvidas algumas de que, se aumentam os níveis de insegurança, não vai ser apenas a crise que nos vai estrangular. A nossa própria liberdade será cada vez mais estrangulada. Ao serviço de quem? Não sei.

Professor Universitário
in "CORREIO DA MANHÃ"
30/05/10

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