09/05/2010

PEDRO IVO CARVALHO






A realidade do país e a ficção dos deputados

1- Saúda-se o ímpeto governamental que se rege pelo respeito à poupança, saúda-se a vontade determinada dos nossos líderes em querer racionalizar os recursos, em transformar o erário público num bem cada vez mais precioso. Em suma: temos de poupar. E perante isto não podemos dizer outra coisa que não seja: então, poupemos.
Os economistas mais avisados - e, por tradição, os que passam mais tempo a dar aulas na universidade e a consultar bibliografia de prémios Nobel do que a olhar nos olhos daqueles que ficam sem emprego todos os dias - apregoam a necessidade de haver um plano estratégico de longo termo, que não oscile em função dos amuos e excitações dos mercados bolsistas. E insistem: temos de poupar. Mas temos, sobretudo, de crescer, de fomentar trabalho.
Foi por isso que o Governo decidiu atacar o subsídio de desemprego. Para criar emprego. Confuso? Explica-se assim: ao apertar as regras segundo as quais um desempregado não pode recusar uma oferta de trabalho, coloca-se o beneficiário numa posição tal que a única alternativa é mesmo a de fazer-se à vida. O sacrifício colectivo, de acordo com a ministra do Trabalho, Helena André, vale realmente a pena, mesmo que os milhares que honestamente procuram um trabalho e não rejubilam com a possibilidade de passar o dia no cinema ou numa esplanada possam perder entre 30 e 50 euros por mês. Mas o Governo não quer poupar à custa dos desempregados, tenta convencer-nos a ministra. Até porque os 40 milhões de euros que espera alcançar-se com esta medida de longo termo não farão com que deixemos de andar a chupar a carninha junto aos ossos.
O subsídio de desemprego deve, na verdade, ser dado a quem precisa. E quem precisa não pode dar-se ao luxo de ficar em casa à espera que o futuro lhe caia no colo. De acordo.
Mas não deixa de ser questionável que, ao invés de reforçar os meios de fiscalização e criar incentivos que façam o desempregado querer regressar ao mercado de trabalho, a estratégia de longo termo do Governo seja cortar a direito numa salvaguarda básica para a qual todos contribuímos com os nossos impostos. Os mercados internacionais agradecem a mensagem: além de tesos, somos calaceiros.
2. Aconselho o caro leitor a fazer um exercício: tente arranjar um tempinho para, numa tarde destas, acompanhar, pela televisão, uma sessão da Comissão Parlamentar ao caso PT/TVI. Mas faça-o com uma abertura de espírito tal que lhe permita ficar sentado pelo menos uma meia hora. E não se deixe influenciar pelos resumos noticiosos a que assistiu minutos antes, enfadonhos, a crise para aqui, a crise para ali, mais uma fábrica a fechar, os juros a subir. Não se prenda com detalhes.
Encoste-se bem no sofá e assista a como os deputados de um país a arfar de angústia passam horas a fio a aprender como se fazem transacções, a perguntar a este se falou com aquele, a aqueloutro se conhecia este, a indagar com todos, afinal, se tiveram conhecimento do negócio e quando, na expectativa de que, numa tarde destas, alguém escorregue na banana e eles exultem com uma vírgula fora do sítio, uma incongruência geográfica ou temporal.
Se aguentar meia hora, vai ver como os deputados do Parlamento português vivem numa espécie de realidade virtual, que ainda não perceberam que o país que os escolheu tem mais com que se preocupar e que já não tem paciência para investimentos públicos de retorno democrático duvidoso. É nessa altura que deve procurar o comando do televisor.
in "JORNAL DE NOTICIAS"
06/05/10

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