22/05/2010

PAULA FERREIRA








O direito a não ser pobre

O primeiro-ministro, José Sócrates, apresenta hoje à concertação social as medidas que servirão para reduzir um por cento do défice já este ano.
Sócrates classifica os sacrifícios que pede aos portugueses como um "esforço patriótico". Não se cansa de o dizer. E acredita - pelo menos diz acreditar - que os portugueses vão perceber a anacrónica metáfora soarista de apertar o cinto. Não esperará, portanto, contestação social. O protesto das ruas.
É até capaz de ter razão. Somos um povo aparentemente ordeiro e tolerante, pouco dado a revoltas. Não se espere uma reacção à grega com o povo nas ruas e as praças portuguesas a arder. Portugal não é a Grécia, também não se cansam de nos dizer. E ainda bem. Mas nós também nunca tivemos as benesses que os gregos receberam: e, agora, abruptamente lhes tiram. O nosso salário mínimo é dos mais baixos da zona euro - embora nos salários mais altos as discrepâncias não sejam gritantes -, os apoios da segurança social andam pelo mínimo da sobrevivência.
A crise bateu-nos à porta: há anos. Mas só agora nos avisaram, e é preciso diminuir o défice. É este o grande desígnio nacional, no momento. Portanto, nada de hesitações, é preciso agir. Vamos receber 1,5 por cento menos do salário todos os meses até ao fim de 2011. Isso foi o que nos disseram a semana passada; neste mundo volátil e virtual, para a semana, ou ainda esta, quem sabe, se verá.
E como o exemplo tem de vir de cima, os políticos e os gestores públicos vão receber menos 5 por cento do salário. Um corte bem mais modesto do que aquele que será feito pelos nossos vizinhos espanhóis. Só que há um pequeno problema, que faz toda a diferença. Cinco por cento para quem ganha acima de cinco mil euros por mês custa bem menos que 1,5 para quem vive, se é que é possível viver, com menos de 500 euros. Um esforço patriótico, tem toda a razão o senhor primeiro-ministro.
Disparidades de um país com uma Constituição de democrata - mas que ainda não consagra, como há dias alguém lembrou, "o direito a não ser pobre".
in "JORNAL DE NOTÍCIAS"
19/05/10

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