21/04/2010

FRANCISCO MOITA FLORES


Impressão Digital

Morrer por Prazer

Estamos num país em que escola ensina matemática e geografia mas não ensina protocolos éticos de cidadania. Deve ser tontice minha. Admito, até, pelo facto de ser abstémio não ter uma percepção correcta e sublime do prazer que é ingerir álcool. E talvez por burro velho não aprender línguas, não consigo deixar de ficar surpreendido com os números que as estatísticas e as notícias vão divulgando quer sobre a sinistralidade automóvel quer sobre as investidas da GNR e da PSP caçando por cada rusga quantidades enormes de indivíduos a conduzir sob efeito do álcool. E sabe-se. Estudos de profundidade demonstram que o vasto quadro de homicídios e outros crimes de violência doméstica não se dissocia da ingestão do álcool.

Vivemos num país de bêbados. Onde durante muito tempo o consumo do álcool foi defendido como forma de dar de comer a milhões. Vivemos num país com muitos milhares de alcoólicos. Um país que cultua o vinho e bebidas correlativas como a exigência da afirmação pessoal, do espaço da festa e do encontro.

Vivemos num país de pais permissivos que deixam os seus filhos começarem a ingerir álcool muito cedo, e já não é vinho, nem cerveja, mas as tequillas, gins, vodkas e afins. Aqui estamos num país onde a escola ensina Matemática e Geografia mas não ensina protocolos éticos de cidadania. Não tenho dúvidas. O álcool é o maior assassino português. Mata dentro das famílias, mata na estrada, mata nas passadeiras, mata nos suicídios, mata nos hospitais. Dito isto, não quero ser o beato prosélito que apela às multidões contra a ingestão de bebidas alcoólicas. Reconheço a importância simbólica, cultural e histórica do vinho para o banir do nosso mapa de prazeres.

Não acredito no slogan que fez história que beber dava de comer a milhões de portugueses. Também não acredito no outro, ou pelo menos na sua eficácia, que nos pede que se bebermos não devemos conduzir. E conheço quase todas as mentiras sobre as virtudes do álcool, desde a ‘milonga’ dos taninos que fazem bem ao coração e de que quem não gosta de beber é maricas. Nem dá força. Nem razão. Nem saúde. Nada. Apenas prazer. E o verdadeiro prazer obriga à sensatez. Agora que celebramos o 25 de Abril, é bom que se saiba que já morreu mais gente nas estradas democráticas do que em todas as guerras em que participámos no século XX. Mas acredito que a sensatez de qualquer consumo é a garantia de uma boa qualidade de vida. Acredito que morrerá menos gente antes do tempo se todos, pais, professores, cada um de nós, ganharmos essa consciência de que ninguém morre por prazer ou de prazer. E seríamos todos bem mais felizes.

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO


IN "CORREIO DA MANHÃ"
18/04/10

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